Título: As razões para o déficit zero
Autor: RIBAMAR OLIVEIRA
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/06/2005, Economia & Negócios, p. B2

A inflação brasileira dá sinais claros de arrefecimento e o governo, com razão, comemora o êxito. Se há motivos para comemorações, há também razões para preocupação. A estabilização de preços que o Banco Central conseguiu está sustentada numa taxa real de juros que supera os 13% ao ano - a maior do mundo - e numa valorização do real que levou a taxa de câmbio a um patamar que poucos consideram como de equilíbrio. O aspecto mais dramático da situação, no entanto, é que quase todos os especialistas acham que, daqui para frente, o Banco Central só poderá reduzir muito lentamente a taxa de juros. Com um agravante: a trajetória de queda dos juros dependerá, basicamente, da manutenção de um cenário internacional benigno e de que não ocorra um repique da taxa de câmbio.

A grande incógnita é o comportamento do câmbio nos próximos meses. Os mais otimistas, que se baseiam nos resultados recordes das exportações nos últimos meses, acreditam que a taxa de câmbio de equilíbrio está em torno de R$ 2,45 ou R$ 2,50. Se isto for verdade, não haverá repique do câmbio e o cenário será consistente com uma redução continuada dos juros. Nesta hipótese, a queda da taxa dependerá unicamente de uma avaliação do BC sobre as potencialidades de crescimento da economia brasileira, o que os economistas chamam de Produto Interno Bruto (PIB) potencial.

São poucos, infelizmente, os economistas que acreditam que o câmbio de equilíbrio esteja em torno de R$ 2,45 ou R$ 2,50. A maioria acha que a taxa de equilíbrio esteja em algum ponto entre R$ 2,60 e R$ 3,00. Nesta hipótese, existe o risco de que o real volte a se desvalorizar a partir da redução da taxa de juros nos próximos meses pelo Banco Central.

Com uma nova desvalorização, as pressões inflacionárias retornariam e, dependendo da intensidade do repique do câmbio, o Banco Central poderia ser obrigado a elevar novamente os juros para conter a inflação. Assim, o Brasil ingressaria num fenômeno conhecido pelos economistas como Stop and Go - crescimento econômico seguido de interrupção. Neste cenário, o Brasil não teria um ciclo de crescimento sustentado e amargaria uma trajetória econômica semelhante àquela que aconteceu durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

A proposta da meta de déficit nominal zero foi apresentada pelo deputado Delfim Netto (PP-SP), ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva justamente para que o País possa evitar este último cenário. O resultado nominal é a diferença entre as receitas e todas as despesas do setor público, incluindo os gastos com o pagamento dos juros das dívidas.

Delfim acredita que o anúncio dessa meta - desde que ela seja percebida como factível pelo mercado - derrubará a taxa real de juros para patamares aceitáveis, algo como 4% ou 5% ao ano. Isto ocorreria, segundo ele, porque o mercado anteciparia os efeitos do novo "choque fiscal" e passaria a trabalhar com um custo do dinheiro mais baixo.

A proposta de déficit nominal zero apresentada por Delfim seria complementada por uma maior abertura comercial do Brasil, com redução das tarifas efetivas de importação, o que ajudaria a promover maior competição entre as empresas no mercado interno. Com essas medidas, o repique do câmbio, quando ocorresse, poderia ser melhor administrado pelo Banco Central e o País não cairia na armadilha do Stop and Go.

A proposta de Delfim implica numa elevação substancial do superávit primário do setor público, atualmente em 4,25% do PIB, o que politicamente é uma operação difícil de ser realizada, principalmente em virtude da atual crise política que tornou o governo muito frágil. Mas há uma janela de oportunidade que talvez possa permitir um vôo mais ambicioso.