Título: Combate à aids precisa de US$ 22 bi, diz ONU
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/06/2005, Vida&, p. A13

Estimativas da Unaids para reverter o avanço da epidemia são para 2008 e representam quase o triplo do valor aplicado pelos países no ano passado

BRASÍLIA - O mundo precisa aumentar de forma expressiva os investimentos em tratamento e prevenção da aids para tentar reverter o ritmo de expansão da epidemia. Estimativa feita pelo Programa das Nações Unidas para Aids (Unaids) mostra que em 2008 os países precisariam reunir - e aplicar - quase US$ 22 bilhões. Isso representa quase o triplo do que foi investido em 2004. "É um desafio e tanto. Mas está em jogo o combate a uma epidemia que ameaça o futuro das nações", avalia o diretor de Iniciativas Globais da Unaids, Luiz Loures. A estimativa de gastos será discutida numa reunião que começa hoje em Genebra, com representantes de 22 países, observadores e integrantes de organizações não-governamentais. Na reunião de hoje da Unaids, o Brasil assume a presidência do Comitê Executivo do programa.

Loures não tem dúvidas de onde deve partir as doações necessárias para a empreitada. "São recursos que precisam ser obtidos de forma imediata. Portanto, devem vir das nações desenvolvidas", afirma.

Argumentos para a mobilização dos recursos não faltam. A epidemia continua a progredir e adquire um potencial explosivo ao se alastrar em locais com grande concentração populacional, com China, Índia e Indonésia. Além disso, novas análises mostram que a aids segue dois caminhos claros: cresce em locais que se destacam pela pobreza, mas também segue a rota do crescimento econômico.

É o caso, por exemplo, da Sibéria, onde vários pontos se destacam pela vitalidade econômica. Tal fenômeno ocorre por razões simples. Em cidades mais desenvolvidas, há maior concentração de jovens e maior disponibilidade de recursos. "Ela torna mais pobres locais que convivem com dificuldades históricas e reduz de forma significativa locais com potencial de expansão econômica", avalia. "Reflexos econômicos da doença não vêm de hoje. Mais um motivo para as nações ricas se mobilizarem no combate mundial à epidemia."

Loures reconhece, porém, que dinheiro só não basta. Resultados preliminares de estudo da Unaids mostram, por exemplo, que a América Latina usou apenas 20% dos recursos captados pelo Fundo Global de Aids. "A necessidade de se ampliar recursos é inquestionável. Mas precisamos também melhorar a velocidade na sua aplicação."

Ele atribui a lentidão do uso de verbas a vários fatores. Entre eles, a falta de compromisso de alguns governos e de coragem para a adoção de medidas às vezes polêmicas, como distribuição de preservativos. "Isso passa também pela fragilidade da democracia em alguns países e o número insuficiente de técnicos para desenvolver programas."

Para tornar mais rápido o uso dos recursos, o diretor afirma ser indispensável, em primeiro lugar, o apoio dos governos. Também considera ser fundamental ampliar a participação da sociedade civil em ações de prevenção e tratamento de pacientes. Numa experiência semelhante da desenvolvida pelo Brasil. "Ao delegar poderes para ONGs, pulverizando ações e ampliando a diversidade de iniciativas, os programas ganham muito em agilidade." Ele descarta, porém, a possibilidade de que recursos sejam destinados diretamente para ONGs, sem a intermediação de governos. "Algumas correntes defendem tal estratégia. Mas a participação de governos é fundamental. Eles podem não ajudar. Mas, quando querem, podem atrapalhar de forma significativa."

PROFISSIONAIS

Na estimativa da Unaids, foi prevista, pela primeira vez, aplicação de recursos para formação de profissionais. A Unaids calcula também quanto seria necessário para tratar órfãos e construir hospitais. Loures admite que as estimativas da Unaids estão sempre sofrendo modificações. Seja por novos métodos para definir número da epidemia do mundo ou para aplicação de recursos. "Trabalhamos sempre com estimativas. E, com o tempo, refinamos a metodologia, reconsideramos quais são as reais necessidades", conta.

Para ele, um dos principais desafios atuais é formar técnicos em quantidade e qualidade suficiente para desenvolver trabalhos de assistência, prevenção e tratamento para a doença. "Muitos governos perdem profissionais experientes, que, atraídos por propostas de maiores salários, partem para outros países. Esse ciclo precisa ser interrompido."