Título: Condição social das crianças influencia desempenho escolar
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/06/2005, Vida&, p. A14

Dados do Saresp mostram que é pior a nota de alunos que não têm luz ou água encanada em casa

Um cruzamento de dados de estudantes da 3ª série no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) deixa claro os fatores sociais, econômicos e familiares que influenciam o desempenho escolar das crianças. Mais de 60% dos alunos que vivem em casas sem luz elétrica, por exemplo, ficaram em níveis de leitura insuficiente ou abaixo de insuficiente na prova realizada no fim do ano passado. As notas ruins se repetem entre os que moram em ruas sem calçamento ou casas que não têm água encanada. O Saresp é um exame realizado desde 1996 no Estado e, a partir de 2003, passou a ser aplicado a todos os alunos da rede estadual de ensino e voluntários da rede municipal e particular. Mais de 4 milhões de estudantes participaram da prova - que tem apenas questões de português, avaliando a leitura - em 2004. Este ano, o Saresp vai incluir a matemática.

A tabulação que mostra as influências no desempenho do aluno foi feita pelo governo apenas para a 3ª série, que tem cerca de 200 mil crianças. As respostas sobre sua condição de vida, dedicação à escola e escolaridade dos pais foram dadas pelos próprios estudantes em questionários aplicados com a prova de leitura. O desempenho geral da série, sem levar em conta a condição dos estudantes, foi de 0,3% no nível ótimo de leitura, 5,8% no muito bom, 27,1% no bom, 37,7% no regular, 12,1% no insuficiente e 17,1% no abaixo do insuficiente. Os resultados da 3ª série são semelhantes aos apresentados nas demais.

A escolaridade dos pais também traz conseqüência ao desempenho do aluno na prova. Mais de 54% das crianças cujas mães ou os pais nunca estudaram estão nos piores níveis. Isso quer dizer que elas não são capazes de ler qualquer tipo de texto apresentado no exame, mesmo tendo, no mínimo, 9 anos de idade. A alfabetização começa na pré-escola, com menos de 7 anos.

Quando os pais cursaram o ensino superior ou mesmo o médio, mais de 40% dos filhos estão nos níveis bom, muito bom e ótimo de leitura. Já compreendem, portanto, trechos de reportagens, fábulas, propagandas e histórias em quadrinhos.

"O professor não pode usar o argumento de que a criança não aprende porque é carente", diz a educadora da Universidade de São Paulo (USP) Silvia Colello. Segundo ela, os alunos que vivem em condições de pobreza, muitas vezes, não se desenvolvem porque a escola não está preparada para recebê-los. "A escola é seletiva e está pronta apenas para ensinar os que já estão acostumados com o mundo letrado. Uma criança que tem o pai analfabeto não faz parte desse mundo", completa.

NOTAS VERMELHAS

Apesar de Larissa Laís Ribeiro da Silva, de 10 anos, dizer à reportagem do Estado que achou a prova do Saresp fácil e garantir que tira boas notas na escola, sua avó desconfiou. "De vez em quando eu vou bem", corrigiu a menina, que está na 4ª série. A avó, Procópia de Jesus Ribeiro, de 64 anos, ligou para a mãe da menina e voltou com a resposta. "Esse semestre, ela tirou todas as notas vermelhas."

Larissa mora em uma viela da Favela Heliópolis, na zona sul de São Paulo. O lugar foi cimentado pelos moradores, assim como os canos do esgoto improvisados e os fios elétricos. "Aqui é tudo gato", diz Procópia. Mesmo com a situação precária, a avó acredita que a ausência dos pais é o que mais influencia no desempenho da menina na escola. "Eu cuido dela enquanto a minha filha trabalha. Os pais são separados."

Perto dali, mora Romisson Bezerra, de 9 anos, que está na 3ª série. Na frente da casa, o esgoto passa a céu aberto. Os inúmeros fios se enroscam no poste de luz, como na casa de Larissa, e o barro da rua se mistura a pedras e cimento. Ele reclama da violência e acha que, se não estudasse à tarde em um dos projetos da ONG que atua no bairro, ficaria sem fazer a lição de casa. "Não gosto daqui, tem muita gente que usa drogas, xinga e empurra", disse. "Isso que atrapalha. Se não tivesse o projeto, iria pior na escola."

Para o professor de metodologia de ensino de português da USP Claudemir Belintane, o questionário do Saresp deveria perguntar também às crianças sobre a estrutura da escola e não só da casa onde moram. "Se não há eletricidade em casa, o aluno não tem acesso à TV, ao vídeo, ao computador. Então, é importante saber se a escola tem esses recursos, que ajudam nas condições gerais do letramento", diz.

IDADE INCORRETA

O cruzamento de dados do Saresp mostrou também a influência negativa de defasagem entre idade e série. Mais de 67% das crianças que têm 13 anos ou mais e continuam na 3ª série se encontram nos níveis insuficientes e abaixo disso. Entre os que estão com 9 anos, 24,4% tiveram esse desempenho e 75,6% ficaram acima do nível regular, ou seja, acertaram mais de 50% das questões. Esse números reforçam a defesa do sistema de progressão continuada. Nele, a repetência só existe ao fim de cada ciclo, que inclui três ou quatro séries, amenizando a defasagem entre idade e série e a sensação de fracasso de crianças nessas condições.

Os alunos foram questionados também sobre suas faltas à escola e sobre as lições de casa. Segundo especialistas, é difícil saber quanto as crianças se sentiram à vontade para responder às questões. Entre os que disseram faltar muitas vezes, a maior parte (34,5%) teve desempenho abaixo do insuficiente. No mesmo nível, porém, estão também 26% dos que afirmaram nunca faltar à escola.

As crianças que informam nunca fazerem suas lições de casa estão, em sua maioria (65,7%), também nos piores níveis de desempenho do Saresp. Há ainda outros 45,6% nesse grupo que disseram não terem qualquer lição de casa passada pelo professor. Os que afirmam sempre fazer lição representam 40,7% dos alunos nas faixas bom, muito bom e ótimo.

Segundo a Secretaria Estadual da Educação, os dados do Saresp de 2004 não podem ser comparados aos de 2003, porque houve mudanças na metodologia. O mesmo havia sido dito no ano passado, quando a prova passou a avaliar todos os alunos e não podia ser comparada às anteriores, que eram amostrais. Espera-se que o exame de 2005 possibilite enfim uma série histórica de dados.