Título: 'Protesto é alerta para crise acrícola'
Autor: Fabíola Salvador
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/06/2005, Economia & Negócios, p. B6

A Sociedade Rural Brasileira, uma das mais tradicionais no setor, ajudou a organizar e apóia o tratoraço que acontece hoje em Brasília. Na entrevista, o presidente da instituição, o produtor rural e industrial João de Almeida Sampaio Filho, explica que não se trata de um protesto contra o governo, mas um alerta para a crise que o setor atravessa. Na opinião dele, até agora o governo e os congressistas não se mostraram muitos sensíveis. Qual é o objetivo do tratoraço?

É um alerta. Queremos chamar a atenção do governo e do Congresso para o momento negativo que o agronegócio está vivendo, principalmente os setores de grãos e fibras. Existe um descasamento violento entre os custos e os preços de venda. Mesmo com os altos índices de produtividade verificados hoje na zona rural, a conta não está fechando.

É uma crise que resulta exclusivamente da questão cambial?

O câmbio é um dos problemas. Quando o dólar subiu, o preço dos insumos também subiu barbaramente. Quando baixou, no entanto, não se viu uma queda tão acentuada. O processo no sentido contrário é mais lento. Junto com os problemas causados pelo câmbio, o agronegócio também sente o custo Brasil. Veja o exemplo da carga tributária: enquanto por aqui os tributos representam 38% do preço dos defensivos agrícolas, na Argentina e no Uruguai giram em torno de 12%. Por que nós temos de pagar tão mais? Veja outro exemplo: também trabalho no setor de industrialização de borracha e uma parte da matéria-prima que compro vem de Rondonópolis, Mato Grosso. Há três anos, com o dólar valendo R$ 2,40, o custo do frete de uma tonelada de borracha, entregue em São Paulo, oscilava entre US$ 30 e US$ 35. Hoje custa entre US$ 80 e US$ 100. Por que? Porque o petróleo subiu, as estradas pioraram, os insumos ficaram mais caros. Quem ganhou com isso? Garanto que não foi o produtor rural.

Afirma-se que certos produtores, com dívidas antigas, estariam aproveitando a crise para pressionar o governo, em busca de uma anistia ou de um novo adiamento de pagamentos.

Deve haver produtores que não querem pagar as dívidas, mas não é disso que estamos tratando. Talvez a melhor saída para separar o joio do trigo seja não fazer uma negociação indistinta, mas sim analisar os problemas de cada região do País e de cada setor. O governo possui mecanismos que poderiam ser ativados para ajudar os produtores nesta dificuldade. Ele poderia aprovar recursos para o cumprimento da política de preços mínimos. Poderia regulamentar o seguro rural e definir o aporte de recursos oficiais. São ferramentas que, por desconhecimento ou insensibilidade, ficam esquecidas.

O tratoraço ocorre no meio de uma crise política. Trata-se de uma manifestação contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Não. O tratoraço foi agendando antes da crise do mensalão e não deve ser confundido com um ato contra o governo.