Título: A necessária quebra de patentes
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/06/2005, Vida&, p. A18

O anúncio da quebra da patente do Kaletra é digno de aplauso. Mostra a preocupação com as 170 mil pessoas que precisam de remédios de aids para viver. Por todos os ângulos só há pontos positivos. Entre os 16 medicamentos do coquetel, o Kaletra é um dos mais utilizados. Com a produção do genérico, o Ministério da Saúde vai economizar mais de R$ 130 milhões por ano. Suficientes para duplicar o número de ONGs que trabalham com aids e aumentar em 25% a quantidade de preservativos distribuídos à população. Reforça a luta dos países em desenvolvimento para tratar 6 milhões de pessoas com aids e sem remédios por causa dos preços imorais cobrados pela indústria. Desde que o Brasil começou a negociar com os laboratórios e a produzir genéricos, os preços despencaram e, hoje, internacionalmente custam dez vezes menos do que na década de 1990. Com a decisão, o Brasil rompe um tabu e abre o caminho para outros países implementarem acordos internacionais de licença compulsória e produção de genéricos.

Adicionalmente, o Brasil tem a chance de incorporar tecnologia, incentivar pesquisas e capacitar profissionais para desenvolverem novos medicamentos. É falsa a idéia de que a indústria de genérico simplesmente copia fórmulas. O desenvolvimento da droga requer estudos aprofundados e muitas vezes o "genérico" fica melhor que o original. Como é o caso do DDI, um dos medicamentos já produzidos pelo laboratório estatal Farmanguinhos.

Há ainda duas preocupações. A primeira é a qualidade do medicamento brasileiro. Se a lei for cumprida, não há problema. O laboratório Abbott é obrigado a repassar as informações para a fabricação da droga, treinar os profissionais brasileiros e supervisionar a produção. É ele o responsável pela qualidade do genérico que será produzido. Caso não cumpra a lei, o Brasil deve anular a patente e não pagar os royalties.

Também é preciso vigiar para que a quebra de patente, de fato, ocorra. Após anos negociando preços, o governo ainda concedeu dez dias para o Abbott reduzir o valor cobrado pelo remédio. É diplomático, mas o prazo deixa a licença compulsória para ser feita em meio às interrogações da reforma ministerial. Caso ela não aconteça, tudo não terá passado de mais um jogo de cena política.