Título: Costa assume Unaids e reforça pressão por quebra de patentes
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/06/2005, Vida&, p. A18

Ministro diz que discussão com fabricantes de anti-retrovirais prosseguirá, mesmo com reforma ministerial

O ministro da Saúde, Humberto Costa, assumiu ontem em Genebra a presidência do Conselho da Unaids, agência da ONU para o combate à aids. O Brasil deve usar a presença no cargo, durante os próximos 12 meses, para fortalecer sua estratégia de luta contra a doença e influenciar políticas para melhorar o acesso a remédios por países em desenvolvimento. Costa aproveitou sua passagem pela Suíça para garantir que a quebra de patentes anunciada na sexta-feira em relação ao remédio Kaletra, do laboratório Abbott, será mantida mesmo diante de uma reforma ministerial e o prazo dado à empresa de dez dias começou a correr ontem. "Se outras empresas não atenderem aos nossos pedidos, vamos emitir as licenças compulsórias", afirmou o ministro, que garante ter apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da própria Unaids em sua decisão de quebrar a patente.

O governo optou por essa estratégia depois de meses de negociação sobre os preços de remédios. Brasília solicitou que a Abbott, além de duas outras companhias, emitissem licenças voluntárias para que o governo pudesse produzir os remédios para o coquetel antiaids. A Abbott se recusou e agora poderá perder sua patente.

Apressado para voltar ao País para acompanhar a reforma ministerial, Costa permaneceu pouco mais de cinco horas presidindo o conselho da Unaids e, no fim da tarde de ontem, retornou ao Brasil. Ele fez questão, porém, de chamar a mídia internacional para explicar a quebra da patente do Kaletra. "Trata-se da primeira licença compulsória emitida no mundo para remédios contra aids. Nossa decisão é legal", afirmou.

NOTIFICAÇÃO

Ontem, um advogado do Ministério da Saúde foi a São Paulo entregar a notificação à Abbott. Costa ainda afirmou estar aberto para dialogar com a empresa, mas apenas se ela aceitar as condições do governo: emitir a licença voluntária e reduzir seus preços de US$ 1,17 por unidade para US$ 0,68 enquanto ocorra a transferência de tecnologia para a fabricação do remédio no Brasil.

"Se não aceitarem as condições, emitiremos licenças compulsórias", afirmou Costa, que deixou claro que o País pagará, ainda assim, US$ 1,5 milhão em royalties pela quebra de patentes.

Costa espera que as demais empresas que são alvo de uma negociação com o governo, a Merck e a Gilead, entendam o recado do governo. "Esperamos que a decisão sobre a Abbott estimule as outras empresas a negociar de um forma mais rápida." Segundo ele, uma dessas empresas já aceitou dar a licença voluntária, mas não ficou acertado como ocorreria.

O diretor da Merck, João Sanches, afirmou estar "frustrado" com a atitude do governo em declarar interesse público para o medicamento da Abbott. Sanches disse que a medida trará impacto negativo nas negociações sobre uma eventual licença voluntária do Efavirenz. "Qualquer medida que traga instabilidade para o ambiente regulatório dificulta as negociações", completou.

Sanches sustentou ainda que os gastos para a compra de medicamentos foram reduzidos nos últimos anos. Ele disse que em 1999 o Brasil gastou R$ 620 milhões na compra de anti-retrovirais para o tratamento de 78 mil pacientes. Em 2004, para tratar 154 mil, desembolsou R$ 570 milhões.

A Associação Brasileira de Indústria de Pesquisa (Interfarma) emitiu nota em que afirma não acreditar que a licença compulsória seja o caminho apropriado para a ampliação do acesso a medicamentos. A medida poderia resultar na suspensão de investimentos dos laboratórios em pesquisa. "Num prazo aproximado de dois anos, devido à mutabilidade do vírus, os atuais medicamentos não terão mais a mesma eficácia", informa a nota.

O ministro ainda espera que a medida tenha outro efeito: incentivar outros países a usar mecanismos legais para ter maior acesso aos remédios. Ainda assim, Costa alerta que o Brasil não tomou uma posição política, mas, sim, uma posição de saúde pública. "Poderíamos ter problemas de sustentabilidade do programa de combate à aids no Brasil em dois anos", justificou. Segundo ele, o País gasta por ano US$ 100 milhões apenas com o Kaletra, que, se produzido no Brasil, teria metade desse custo.

Se a decisão sobre a quebra de patente for tomada, Costa acredita que o remédio produzido no País levará um ano para chegar aos pacientes. Mas ele não teme um desabastecimento. "Temos um acordo com a Abbott até maio e seria um crime não cumpri-lo. Se houver problemas, podemos importar remédios genéricos", ameaçou.