Título: O risco do petróleo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/06/2005, Notas e informações, p. A3

A principal incerteza da economia mundial continua a ser o preço do petróleo, que nesta semana chegou a US$ 60,54 por barril, um recorde, na Bolsa Mercantil de Nova York. Inflação, juros em alta e freio na atividade econômica são os perigos apontados pelos economistas, se o custo da energia continuar pressionado nos próximos meses. Segundo os mais otimistas, a cotação do petróleo deverá estar abaixo de US$ 40 no fim do ano.

Outros são mais cautelosos nas previsões, mesmo exibindo otimismo, e ainda projetam valores acima de US$ 50 por barril. A próxima reação do mercado deve ocorrer hoje, com a divulgação do relatório periódico sobre os estoques de combustíveis nos EUA.

Sejam quais forem os números do relatório, ainda será cedo para prever quando e em que nível o mercado poderá estabilizar-se.

Que haja especulação está fora de dúvida. Que todo o aumento ocorrido num ano seja atribuível à ação de especuladores é outra conversa. Representantes da Opep, o cartel dos produtores, afirmam que há um problema real de oferta. A dificuldade, segundo eles, não está na produção de petróleo, mas na capacidade de refino. Tem-se investido pouco em refinarias, argumentam, é preciso cuidar desse obstáculo com urgência.

A Opep decidiu elevar para 28,5 milhões de barris/dia o teto de produção de seus associados, a partir de 1º de julho, mas a mudança apenas oficializa o que já vem sendo produzido. Se o grande obstáculo, como se afirma, está na capacidade insuficiente de refino, o aumento da oferta de petróleo cru terá efeito provavelmente limitado na formação de preços.

Enquanto a incerteza permanece, o preço do petróleo ganha destaque na pauta política e econômica dos países mais avançados. O assunto será discutido na próxima reunião do G-8, grupo das principais economias capitalistas mais a Rússia. O grande tema do encontro, segundo o plano original do primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, anfitrião da conferência, deve ser oficialmente o socorro aos pobres da África. Mas o primeiro-ministro alemão, Gerhard Schröder, insistirá na adoção de medidas para tornar o mercado de petróleo mais transparente e menos sujeito a manobras de especuladores. Outros chefes de governo certamente estarão interessados em discutir os principais fatores que ameaçam a recuperação da economia global.

O combate à especulação, no entanto, é apenas uma das linhas de ação que os governos podem adotar. O Senado americano acaba de aprovar um projeto de Lei de Energia com incentivos fiscais no valor de US$ 18 bilhões, novas normas para produção e uso de etanol e regras ambientais menos severas para facilitar a importação de gás natural. A Câmara de Representantes havia aprovado uma versão diferente desse projeto e um acerto entre as duas Casas será necessário.

A China, que passou de exportadora líquida a segunda maior importadora de petróleo do Extremo Oriente, abaixo apenas do Japão, busca meios de manter abastecida a economia campeã de crescimento. Enquanto a estatal chinesa National Offshore Oil Corporation tenta comprar a petrolífera americana Unocal, as autoridades na China procuram racionar o consumo de energia nas grandes cidades e na indústria, criando turnos de produção nas fábricas e limitando o uso de ar-condicionado.

Em vários países, indústrias anunciam que dificilmente deixarão de repassar os aumentos dos custos da energia, dando um primeiro sinal de novas pressões inflacionárias. Nas bolsas de valores, ações de indústrias altamente dependentes de energia têm caído. Embora haja no cenário um inegável componente especulativo ¿ alimentado em boa parte por fatores políticos, como a eleição no Irã ¿, os governos mais prudentes têm decidido agir para reforçar a segurança econômica. No caso do Brasil, o risco é acentuado pelas incertezas da política boliviana.

O Brasil já venceu crises de energia noutros momentos. Tem potencial para fazê-lo de novo e também para se tornar um grande exportador de recursos energéticos renováveis. Mas poderá fazê-lo, se o Ministério de Minas e Energia se converter, como se tem anunciado, em objeto de troca para a negociação política com o PMDB?