Título: 'Eu desencarno rápido. Descobri que sou dois, eu e o personagem Zé Dirceu'
Autor: Ariosto Teixeira
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/06/2005, Nacional, p. A9

Pela primeira vez desde que deixou a Casa Civil, ele conversa com jornalistas e diz que está "retomando a vida do zero"

O ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, acha que sua vida está voltando à normalidade. Mas ele ainda se lamenta. "Ninguém imagina o sofrimento", disse ele ontem na sala do cafezinho ao lado do plenário da Câmara. De volta ao papel de deputado federal pelo PT de São Paulo, Dirceu circulava como um parlamentar comum: "Retomei a rotina." No caminho para o café, abraços, apertos de mão, tapinhas nas costas de deputados de quase todos os partidos. Dirceu se senta e, pela primeira vez desde que deixou o governo, aceita conversar com um pequeno grupo de jornalistas. Ele começa:

- Estou retomando a minha vida. Eu disse que ia começar do zero e ninguém acreditou. Mas é isso que estou fazendo. Sempre fui assim.

DESENCARNANDO

- Não é pouco tempo para ter esquecido a vida no governo? - pergunta um repórter.

- Vocês vão ver uma coisa: daqui a um mês eu nunca fui ministro, nunca trabalhei no Palácio do Planalto, nunca morei no Lago Sul, nunca fui do governo Lula, nunca saí desse plenário, sempre fui deputado. Eu desencarno rápido. Descobri que eu sou dois, eu e o personagem Zé Dirceu. Deve ser defesa. Preciso rever isso.

Dirceu faz um gesto, simulando um corpo que é atravessado por muitas espadas:

- A política brasileira é dura, é muito difícil, é isso.

- Como o senhor está enfrentado essa situação, com denúncias, inquéritos, o PT sob suspeita?

- Vocês nem podem imaginar o sofrimento. O meu e o dos outros. Eu tenho que segurar a mim mesmo e não demonstrar sofrimento. É minha responsabilidade política. Eu agüento por mim e pelos outros, para manter o moral elevado. O Delúbio (Delúbio Soares, tesoureiro do PT) e o Silvinho (Silvio Pereira, secretário-geral do PT) estão arrasados. O Delúbio principalmente, prenderam o pai dele, levaram para depor, uma coisa que abala. Mas o Delúbio segura bem, tem estrutura psicológica. O Silvinho tem menos coisas contra ele, também segura. O Genoino (José Genoino, presidente do PT) não, ele está sofrendo muito. Genoino não é como eu, ele é mais emocional, fica abalado.

- Olha, vocês podem até achar que não, mas eu estou mais leve. Sei o que fiz e o que não fiz. A verdade vai aparecer com todas essas investigações na CPI dos Correios, na Corregedoria, no Conselho de Ética. Eu estou tranqüilo. O governo fez o que tinha que fazer, mandou investigar. Agora ninguém segura isso, governo não interfere, vocês sabem que essas investigações andam por si e acabam apurando tudo.

FALANDO COM LULA

Apesar de seu desabafo, e de dizer que se ocupa mais em organizar sua vida de deputado, a alma do ex-ministro ainda está com o deputado José Dirceu:

- Falo com o Lula regularmente.

- Isso mesmo depois que o senhor deixou o ministério?

- Claro. Eu telefono e conversamos. Comigo e o presidente não tem essa. Falamos tudo. Saí, vocês sabem, porque ele disse: "Olha Zé, acho que está na hora de sair."

- O presidente telefona para o senhor?

- Muito pouco. O Lula não é muito de telefonar para ninguém. Nós temos muito o que conversar, tudo é muito recente.

- Com quem mais o senhor mantém contato?

- Com a Dilma (Dilma Rousseff, sua sucessora na pasta da Casa Civil). Tenho coisas a passar para ela. Conversamos bastante hoje eu e o Palocci (Antonio Palocci, ministro da Fazenda). Ele passou lá em casa, de manhã. Foi me ver, nada oficial, nada de governo. Nós somos amigos, vocês sabem, apesar das divergências que vocês conhecem. Vocês querem saber um dos assuntos? Falamos sobre o salário dos militares. Ele está consciente da necessidade e importância de cumprir a promessa (de aumento) do presidente. Me disse que já está cuidando disso. É difícil, tem problemas no orçamento, mas tem que ser feito.

PMDB

No meio da conversa, José Dirceu é informado do fracasso da reunião da bancada do PMDB na Câmara dos Deputados. A reunião havia sido convocada para deliberar sobre o convite do presidente da República para que o partido amplie a sua participação no governo.

- Não esperava mais deles. O Michel Temer (presidente nacional do PMDB) faz sempre isso. Primeiro, diz que é preciso conversar, que tem que ir ao presidente. Depois de feito o que ele pede, ele volta aqui para trabalhar contra. Ele não quer o PMDB no governo. Está na área do PSDB e do PFL, mas não assume.

- Com o PMDB dividido, a base parlamentar ficará do mesmo tamanho ou menor?

- Acho que podemos contar com 280 votos aqui na Câmara. Dá para contar com os aliados, uns 40 votos no PL, outros 40 no PP e 40 também no PTB, mais 90 do PT e 40 ou mais no PMDB, e os votos do PC do B, PPS, PSB. Para o final de um semestre como este já está muito bom.

A conversa deriva, enfim, para literatura. Dirceu aceita o convite do jornalista Franklin Martins, da Rede Globo, para comparecer ao lançamento do seu livro Jornalismo Político num dos restaurantes da cidade.