Título: França receberá primeiro reator de fusão nuclear
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/06/2005, Vida&, p. A28

O projeto Iter vai usar tecnologia que imita o Sol para fornecer eletricidade de forma limpa e com poucos resíduos radioativos. Construção deve terminar em 2014

A pequena localidade de Cadarache, no sul da França, receberá o primeiro reator de fusão nuclear do mundo, tecnologia que imita o Sol para gerar energia. O comissário de Ciência e Pesquisa da União Européia, Janez Potocnik, afirmou que a decisão, tomada após anos de disputa entre o Japão e a França, é um "excelente exemplo da futura cooperação internacional".

O projeto Iter, sigla em inglês para Reator Experimental Termonuclear Internacional, pretende mostrar que a fusão nuclear é capaz de fornecer eletricidade de forma limpa e com poucos resíduos radioativos. "Como um projeto de complexidade sem precedentes que abarca mais de uma geração, o Iter marca um grande passo em direção à cooperação científica internacional", disse Potocnik. "Agora focaremos os esforços em finalizar o acordo do projeto, para que a construção comece tão logo quanto possível."

O projeto é financiado por um consórcio que reúne União Européia e Japão (os principais parceiros, que dividem 60% do custo), mais Estados Unidos, Coréia do Sul, Rússia e China (cada um responsável por 10%).

QUEDA-DE-BRAÇO

A competição para decidir o local de construção foi intensa, pois o projeto envolve bilhões de dólares em pesquisa, engenharia e construção, mais a criação de milhares de empregos.

O grupo estava dividido: do lado do Japão estavam Estados Unidos e Coréia do Sul, enquanto a França era defendida pela União Européia, mais Rússia e China. Cadarache foi escolhido por já apresentar um dos maiores centros civis de pesquisa nuclear da Europa, com estrutura técnica e pessoal suficiente.

A decisão também foi tomada após o Japão sinalizar que abriria mão de sediar o projeto em troca de assumir um papel ainda maior na pesquisa e na operação. "O Japão está contente e triste ao mesmo tempo. O país, no futuro, estará pronto para dar uma contribuição ao desenvolvimento da fusão nuclear", disse ontem o ministro japonês de Ciência, Tecnologia e Educação, Nariaki Nakayama.

Segundo o acordo, União Européia e Japão fornecerão, de forma igualitária, os componentes do reator. Além disso, os europeus apoiarão uma candidatura japonesa ao posto de diretor-geral do Iter. O consórcio espera terminar a construção do reator em 2014.

Os reatores nucleares existentes utilizam a fissão, ou seja, produzem energia com a quebra de um núcleo pesado, como o urânio. A fusão faz o contrário: a energia é gerada pela combinação de dois elementos. O processo é conhecido há décadas, mas nenhum reator viável comercialmente foi construído.

O Iter vai produzir 500 MW. O deutério, extraído da água do mar, será o principal combustível. Com a ajuda de um anel eletromagnético, seu núcleo será fundido ao do trítio (elemento obtido do lítio), a uma temperatura de 100 milhões de graus Celsius - o grande desafio para os projetistas. "Dou uma chance de 50 a 50 de sucesso, mas a engenharia será difícil", afirma Ian Fells, da Academia Real de Engenharia, da Grã-Bretanha. "Mas se realmente fizermos isso funcionar, haverá eletricidade suficiente para alimentar o mundo pelos próximos mil ou 2 mil anos."