Título: 'Vai parecer que o PMDB está sendo comprado por 4 ministérios'
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/06/2005, Nacional, p. A20

Ex-governador Anthony Garotinho resiste a acordo entre o seu partido e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva

O ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho, presidente do PMDB fluminense, partiu para o ataque no esforço de evitar a ampliação do espaço do partido no governo. "Vai parecer que o PMDB está sendo comprado por quatro ministérios", disse ontem ao Estado. Garotinho avisou que, se o PMDB aceitar os cargos, não será o candidato do partido à Presidência da República. Garotinho, nome mais forte para uma candidatura própria do PMDB em 2006, prefere não falar diretamente em deixar a legenda. Qual é o seu principal argumento contra a participação do PMDB no governo?

Há a decisão da convenção, de dezembro, de que os atuais ocupantes deviam entregar os cargos. Um partido que não respeita decisões de instâncias superiores dá mau exemplo. Outro motivo é que vai parecer que o PMDB está sendo comprado por quatro ministérios.

Os peemedebistas que querem participar do governo puseram o PMDB à venda?

Não. Mas será a interpretação feita e certamente deixará o partido com a imagem desgastada perante a população.

Que atitude o senhor espera do PMDB?

O partido deveria fazer o gesto de declarar apoio ao governo e deixar o presidente livre para formar o governo que desejar, sem nossa participação. O presidente da República deveria reafirmar perante a nação que seu governo é honesto.

Esta honestidade está em dúvida?

Há grande dúvida, as pesquisas dizem isso. Você sabe que, para um presidente da República, vale a máxima da mulher de César. Não basta ser honesto, tem que parecer honesto.

Os líderes do governo oferecem o diálogo com os governadores do PMDB, que rejeitam a oferta de mais ministérios. Uma composição é possível?

Nós, do Rio de Janeiro, temos um histórico recente com o governo Lula muito ruim. O ministro Antonio Palocci não cumpriu a palavra empenhada com a governadora (Rosinha Matheus, mulher de Garotinho). O ex-ministro José Dirceu faltou diversas vezes a palavra comigo. O governo federal faz um cerco contra o Rio de Janeiro que não aconteceu em tempo algum. Perdemos nossa crença em tudo que está sendo dito. Considero uma armadilha este convite do governo ao PMDB.

O senhor não está usando um argumento local para defender uma posição nacional?

Não. Já disse que, se entrarmos no governo, daremos a impressão de que nos vendemos. Se o PMDB optar por entrar no governo, o partido pode pensar em outro candidato à Presidência. Não terei coragem de olhar meus filhos e meus eleitores e dizer que sou candidato de um partido que cedeu a interesses fisiológicos. Não tenho ambição pessoal.

O senhor sairá do PMDB se o partido aceitar mais ministérios?

Vou pensar o que fazer. Comunicarei ao presidente do partido, Michel Temer, que não serei candidato se esta for a decisão oficial. E vou pensar no futuro. Posso não ser candidato a nada, posso ir até o fim do governo da Rosinha. Pode ser que ela se candidate ao Senado. Sei que não vou defender o partido se a posição oficial for ficar com o governo.

Lula diz que o PMDB no governo não significa compromisso de aliança na eleição presidencial de 2006. Isto é possível?

Se o PMDB participar, usufruir do governo, como e com que autoridade, na campanha, o candidato do PMDB vai criticar o governo? O povo vai dizer, com razão, que são todos farinha do mesmo saco. Por isso eu digo que é uma armadilha. O Lula diz que lançar candidatura própria é outra coisa, mas ele sabe que não é assim. O povo está cansado de políticos sem-vergonha, de partidos com comportamento dúbio. O PMDB tem que mostrar firmeza. Firmeza que o presidente não está tendo para apurar os fatos.

Os políticos sem-vergonha a que o senhor se refere estão no PMDB?

Falo de modo geral. O PMDB deve fazer agora o que a sociedade deseja, que é a apuração da verdade. O partido deve ajudar o presidente a sair da crise, mas punindo aqueles que cometeram irregularidades.

O que o faz achar que o presidente não tem firmeza para apurar?

Quando houve problema com fiscais no Rio, o governo do Estado pediu a CPI. Os fiscais foram presos. Agora, as investigações são para proteger membros do governo e do PT que cometeram irregularidades. As investigações da Câmara são de um cinismo formidável. O PSDB diz ao PT: "Você não pode fazer o que já fizemos", porque o PSDB comprou votos para a reeleição de FHC. A não ser por pressão da sociedade, tudo vai terminar em um grande acordo entre o PT e o PSDB. Eles vão dizer: "Eu esqueço o que você fez e você esquece o que eu estou fazendo". E, se entrar no governo, o PMDB será avalista disso.

O senhor diz que o governo quer acobertar envolvidos em irregularidades. Acredita que o presidente Lula sabia do mensalão?

É impossível que não soubesse. Jamais José Dirceu e José Genoino autorizariam Delúbio Soares a fazer sem conhecimento de Lula.