Título: Laptop de US$ 100 empolga Lula
Autor: Lourival Sant'Anna
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/06/2005, Economia & Negócios, p. B5

Presidente nomeia grupo de trabalho para estudar a proposta de inclusão digital apresentada por Nicholas Negroponte

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou ontem a criação de um grupo de trabalho para estudar a proposta de fabricar, no Brasil, 1 milhão de computadores portáteis, ao custo de US$ 100 cada um, para distribuí-los gratuitamente a alunos de escolas públicas do País. Depois de assistir a uma apresentação do projeto, feita por Nicholas Negroponte, diretor do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT), de Boston (EUA), Lula mostrou-se empolgado com a idéia. "Quais os próximos passos?", perguntou o presidente, assinalando que é "preciso colocar as pessoas certas" para implementar "todas as idéias boas". Alguém sugeriu que um grupo de trabalho apresentasse um plano no prazo de 30 dias. "Trinta, não, 29", atalhou Lula.

"É um projeto revolucionário, que vem complementar toda a orientação que o senhor vem nos dando", disse o ministro da Educação, Tarso Genro, dirigindo-se ao presidente. O ministro disse que acompanha "há muito tempo" o trabalho de Negroponte, um dos mais respeitados teóricos da revolução digital.

Além dele, participaram da reunião de 45 minutos os ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Furlan; e das Comunicações, Eunício Oliveira, além de um representante do Ministério da Ciência e Tecnologia. Eunício já havia assistido à apresentação em seu gabinete, pela manhã. Hoje, Negroponte será recebido por Furlan e por Genro.

O grupo de trabalho será formado por Cezar Alvarez e José Graziano, assessores especiais do presidente, por Jean-Claude Frajmund, que assessora Eunício, e por representantes dos outros três ministérios.

Negroponte deve voltar a Brasília no fim do próximo mês para discutir o plano de trabalho elaborado pelo grupo. Sua proposta, apresentada em fevereiro em Davos, envolve a criação de uma organização não-governamental para gerir o projeto e parcerias com fábricas de componentes e operadoras de telefonia locais, responsáveis pela conexão dos laptops à internet.

ÓBVIO

"A reação dele ficou estampada em sua cara", comentou Negroponte, ao sair do encontro com o presidente. "Ele parecia estar pensando: 'Isso é óbvio. Vamos fazer isso'", completou Negroponte, que veio acompanhado de Seymour Papert, outra sumidade do MIT, especialista em educação; de Mary Lou Pepsen, chefe de tecnologia da Associação Um Laptop por Criança; e de Rodrigo Mesquita, que, à frente da Agência Estado, patrocinou programas do Media Lab no Brasil, como a inclusão digital em 150 escolas de São Paulo e de Curitiba, com participação da Escola Politécnica da USP.

De acordo com Negroponte, o custo de fabricação de um laptop está na casa dos US$ 600. Desses, metade vai para o marketing, distribuição e vendas. Dos três itens, só haverá distribuição, que será feita por uma ONG, custeada pelo governo ou por patrocinadores privados. Dos outros US$ 300, diz ele, metade é gasta com a tela e a outra metade, com um processador "pesado e dispendioso, necessário para o sistema operacional Windows".

O Media Lab se dispõe a fazer um processador de 500 megahertz, para o programa de fonte aberta Linux, por US$ 75. E a tela, que custa cerca de US$ 150, pode ser feita por US$ 30, com simplificação de componentes e redução da resolução. "Não precisamos de muito esforço para baixar o custo total para US$ 100", assegurou Negroponte. A pesquisa, orçada em US$ 16 milhões, será custeada por oito patrocinadores e o Media Lab abre mão dos royalties.

Papert, que foi amigo do falecido educador pernambucano Paulo Freire e que há 20 anos desenvolve projetos no Brasil, considera o computador o grande salto na educação de crianças. "Não é uma questão de se vai acontecer ou não", diz ele. "A questão é se vamos desperdiçar 10 anos ou se vamos saltar para isso já." A idéia é que os alunos recebam os laptops como recebem os livros didáticos, distribuídos na rede pública.

Os computadores pertencerão às crianças, que os receberão gratuitamente, custeados pelo governo, e poderão levá-los para casa, emprestar para os pais, enfim, fazer o que quiserem com eles. O grupo já fez essa experiência no Camboja e no Estado americano do Maine. A conexão à internet deve ser barateada por uma tecnologia chamada "rede viral", desenvolvida no Media Lab, pela qual cada computador funcionará também como um transmissor de dados. Assim, os laptops não poderão ser desligados, porque isso faria cair a rede. Onde não houver eletricidade, o equipamento poderá ser movido a corda, ou usar energia solar.

O programa não prevê um conteúdo: a idéia é que as crianças busquem esse conteúdo na internet e também aprendam usando o computador para atividades que lhes interessam, como criar jogos, por exemplo, que envolvem cálculos, geometria, física, etc. O número 1 milhão, no Brasil, faria parte de um projeto piloto, devendo depois ser estendido para todas as crianças da rede pública. Negroponte já apresentou a proposta na China, Tailândia, Egito, Filipinas, Bangladesh, Colômbia e África do Sul.