Título: Âncoras e amarras
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2005, Economia & Negócios, p. B2

Afinal, qual é a principal âncora da economia brasileira: o câmbio que mantém o real valorizado ou a política de juros?

O tombo do Índice de Preços no Atacado (IPA), de 0,77% em maio e de 1,00% em junho, indica que os preços têm caído nesse segmento, graças ao mergulho do dólar que, desde março, é de 15,4%. Dólar mais baixo barateia produtos importados e mercadorias cujos preços são definidos lá fora em moeda estrangeira, como commodities agrícolas, metálicas e minerais (café, soja, milho, alumínio, petróleo, etc.). Além disso, o produto importado mais barato em reais aumenta a concorrência ao produto fabricado internamente e, assim, freia a alta de preços.

Mas a ação dos juros cumpre sua parte. São responsáveis pela redução do ritmo do consumo (queda de 0,6% do consumo das famílias no primeiro trimestre do ano sobre o trimestre anterior), o que levou o empresário a tirar o pé do acelerador e o fazedor de preços a desistir de remarcar sua mercadoria ou a remarcá-la mais devagar.

Ontem, o Relatório de Inflação de junho divulgado pelo Banco Central reconheceu essa duplicidade de âncora ao verificar que a baixa variação dos preços no mercado atacadista "reflete a apreciação cambial e a própria ação da política monetária" (página 100).

No início do governo Fernando Henrique, o então ministro da Fazenda Pedro Malan recorria a Jorge Amado, mais precisamente ao livro Os Velhos Marinheiros, no qual se contam as peripécias de Vasco Moscoso de Aragão, capitão de longo curso, que salvou seu navio de uma tempestade que assolou o Porto de Belém do Pará. Para admiração geral, o capitão decidira que o navio ficaria fundeado com todas as âncoras e todos os tipos de amarra. Ao amanhecer, era a única embarcação ilesa.

É também um pouco do que está acontecendo agora. A política de juros não é a única âncora dos preços; o comportamento do câmbio também cumpre função importante.

Ontem, o ministro do Desenvolvimento Luiz Furlan voltou a reclamar do câmbio. Mas já não atribui a alta do dólar à entrada desenfreada de capitais de curto prazo que julgava haver no início do ano, tese a que ainda se aferram alguns analistas. O Relatório de Inflação (página 76) mostra que, nos cinco primeiros meses do ano, o movimento comercial (exportações mais altas do que importações) despejou US$ 17,8 bilhões no câmbio interno enquanto no segmento financeiro houve saída líquida de US$ 9,3 bilhões. Como no período o Banco Central comprou US$ 10,2 bilhões, tem-se que a valorização do real (queda do dólar) foi causada pela oferta líquida de US$ 16,9 bilhões vindos das receitas com exportações. Ou seja, não dá para negar que é o exportador que está derrubando o dólar no câmbio interno.

O ministro Furlan já não tem propostas sobre o que fazer para impedir o colapso do dólar no câmbio interno que nem os escândalos do mensalão conseguem reverter. Ele sabe que, se o Banco Central voltar a comprar no câmbio interno "para estimular exportações", concorrerá para que, mais tarde, com as exportações mais estimuladas, o dólar caia ainda mais.

Não dá para dizer que haja uma política ativa de valorização da moeda. O que há é a decisão do Banco Central de não voltar às compras tão cedo, apesar de recentes insinuações em contrário de dirigentes do Banco Central. E a disposição de ficar de fora tem concorrido para a valorização da moeda e para garantir a integridade do navio do capitão Moscoso de Aragão.