Título: Para Velloso, superávit primário de 4,75% não basta
Autor: Sheila D'Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2005, Economia & Negócios, p. B6

Especialista diz que é preciso um resultado de 6% ou 7% do PIB para garantir o objetivo de déficit nominal zero

A elevação do superávit primário do setor público de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) para 4,75% do PIB não é suficiente para zerar o déficit nominal, diz o economista Raul Velloso. "Com um aumento de apenas 0,5% do superávit, teria de ocorrer uma queda muito forte da taxa de juros para fechar a conta", argumentou. O aumento de 0,5% foi sugerido pelo deputado Delfim Netto (PP-SP), em proposta apresentada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O superávit primário é a diferença entre as receitas e as despesas do governo, exceto juros. O conceito nominal considera também os gastos com juros. A proposta de Delfim é elevar a economia de recursos públicos feita pelo governo até que haja sobra suficiente para pagar totalmente a conta de juros. Ele considera que um aumento do superávit primário de 0,5% este ano e nos próximos três anos seria suficiente para zerar o déficit nominal em 2008.

Para Velloso, a meta de déficit nominal zero só pode ser alcançada com um programa de aumento expressivo do superávit primário, que poderá chegar a 6% ou 7% do PIB. "Tem de ser uma coisa muito forte para que seja factível. O choque fiscal tem de ser pesado."

Velloso elogiou a proposta. "Ela é louvável, seria muito bom para economia brasileira se a meta fosse alcançada." A questão, diz, é chegar ao déficit zero: o governo terá de mostrar que o superávit primário será suficiente para alcançar a meta de déficit zero. Em outras palavras, o plano terá que ser crível.

Ele alerta também para o fato de que a proposta pode ser vista pelo mercado como uma ingerência do governo na política monetária. Se o cenário internacional piorar e a taxa real de câmbio se elevar, o Banco Central (BC) poderá ser obrigado a elevar a taxa de juros para conter as pressões inflacionárias decorrentes do câmbio. Neste caso, raciocina, a política monetária entraria em choque com a meta de déficit nominal zero.

A tentação do governo de reduzir artificialmente a taxa de juros para obter a meta fiscal é maior, analisa Velloso, porque grande parte da dívida pública mobiliária brasileira é pós-fixada (a remuneração só é conhecida no vencimento do título). Em países em que a dívida mobiliária é pré-fixada (a taxa de remuneração é acertada quando o título é vendido), a elevação dos juros não tem impacto fiscal sobre o estoque da dívida existente.

Ontem, fontes do governo informaram que o "choque de gestão", a ser anunciado com o programa do déficit nominal zero, prevê corte significativo nas despesas com passagens aéreas e diárias de funcionários. Em 2003, primeiro ano do governo Lula, essas despesas caíram bastante (7% e 17% respectivamente) por causa do esforço de contenção de gastos do Ministério do Planejamento. Mas em 2004 e 2005, elas voltaram a crescer. No ano passado, somaram R$ 789,2 milhões - 31% a mais do que em 2003. Até maio deste ano, já cresceu 15,3%.

O Ministério do Planejamento estuda vários mecanismos para reduzir esses gastos e melhorar a eficiência do serviço público. Uma das medidas prevê a contratação de empresas especializadas em gestão, que identificariam os problemas que causam aumento de custo e baixa eficiência.