Título: Boas novas no front da sustentabilidade
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2005, Espaço Aberto, p. A2

Quase ao mesmo tempo que o Banco Central e a Caixa Econômica Federal promoviam um seminário para discutir o tema ¿Finanças Ambientais¿, em outro o secretário de Políticas de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Gilney Vianna, anunciava que, juntamente com os Ministérios da Fazenda, da Integração Nacional e do Trabalho, sua pasta está encaminhando ao presidente da República uma proposta de ¿política de crédito sustentável¿. Ela inclui uma medida provisória que estabelecerá critérios de sustentabilidade ambiental a serem obedecidos nas atividades dos fundos e do sistema de crédito federal e dois projetos de lei que propõem critérios ambientais a serem observados pela rede bancária privada. Hoje, esta quase só exige sustentabilidade financeira, embora já haja bancos privados que progressivamente estão estabelecendo outros padrões de exigência ¿ social e ambiental.

São iniciativas bem-vindas, diante dos graves problemas de sustentabilidade dos padrões de produção e consumo que o mundo e o País enfrentam. Já na última reunião da Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável (CPDS) e da Agenda 21, aquele secretário expôs o conteúdo do estudo conjunto em que se baseiam as propostas.

E ele inclui, para a medida provisória, estímulos a atividades ambientalmente sustentáveis na área do crédito rural e nas operações com recursos dos fundos constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, assim como descontingenciamento de recursos do depósito compulsório para atividades adequadas.

Para os projetos de lei o estudo prevê adequação das instituições financeiras privadas aos critérios do ¿protocolo verde¿ em seus financiamentos; deduções do Imposto de Renda em favor do Fundo Nacional do Meio Ambiente; redução da alíquota do IPI que incida sobre bens industrializados novos e que induzam processos ambientalmente sustentáveis; abertura do mercado de compras públicas e de licitações para produtos adequados.

Nessa mesma reunião da CPDS, vários outros caminhos foram discutidos, que poderiam alargar a trilha da sustentabilidade.

Entre eles, o não-contingenciamento e melhor destinação de recursos arrecadados por meio da Cide, os royalties pagos pelo setor do petróleo, as compensações ambientais pagas pelas hidrelétricas, etc. Lembrou-se também que uma penosa conquista na gestão federal anterior ¿ a isenção do IPI para indústrias de reciclagem que comprem matéria-prima de cooperativas de catadores (porque o imposto já foi pago na primeira utilização) ¿ foi revogada no atual governo. Um retrocesso.

É decisivo que essa temática avance na prática. Não se pode mais admitir que os chamados serviços e recursos naturais tenham seu valor ignorado ¿ e que isso contribua para sua depleção/desaparecimento.

Sempre é preciso lembrar o estudo feito por Robert Constanza e mais um grupo de economistas, na Universidade da Califórnia. Eles calcularam o que valeriam esses bens e serviços renováveis, imaginando que tivessem de ser substituídos por ações/produtos humanos ¿ a fertilidade da terra, a regulação do clima, a cadeia de vida marinha que depende dos mangues, etc.

E chegaram à conclusão de que eles poderiam valer quase o dobro do produto bruto mundial da época, dezenas de trilhões de dólares anuais (e convém lembrar que os atuais sistemas de preços não incluem também, além dos serviços naturais, o valor do trabalho doméstico e da economia informal). Só o valor dos serviços prestados pelas florestas, por exemplo, foi calculado em US$ 4,7 trilhões anuais.

O tema traz inevitavelmente à memória a figura de José Lutzenberger, que já na década de 1980 se preocupava muito com essas questões e tentava levar à prática medidas no rumo correto.

Como secretário nacional do Meio Ambiente, conseguiu abolir os incentivos fiscais que contribuíam para o desaparecimento da floresta ao estimular a produção de carvão vegetal para gusarias que exportavam sua produção (para países que não querem produzir gusa por causa de seus altos custos ambientais e sociais).

Mas, quando, indignado com as altas taxas de desmatamento na Amazônia, o secretário proibiu a emissão de guias para transporte de madeira (que legalizavam a extração ilegal), foi demitido, graças à força do lobby das madeireiras no governo Collor.

Lutzenberger conseguiu criar também um grupo interministerial para propor ao governo critérios e indicadores de sustentabilidade ambiental, que foi abandonado e esquecido tão logo ele deixou o governo. Mas deixou inacabados capítulos de um livro em que fazia a ¿crítica da razão econômica¿ e a ¿crítica da razão tecnológica¿.

Talvez tenha sido a primeira vez que se discutiu no Brasil, por exemplo, a produção de carnes em termos de balanço energético. Lutzenberger mostrava que para produzir um quilo de carne de frango são necessários dois quilos do animal, porque dele se extraem vísceras, penas, patas, etc. Então, o balanço começava em duas unidades por uma (hoje é um pouco menos). Mas há outras unidades de energia necessárias ao longo de todo o processo (no transporte, na fabricação de rações, etc.). Concluía ele que o balanço terminava em oito unidades consumidas de energia por uma criada.

Em outros tipos de carne (suína, bovina) o balanço era bem mais desfavorável, ainda.

Não se trata de demonizar ou condenar a priori qualquer atividade. Mas não escaparemos de fazer todas as contas, em tudo. E, por isso, o que está sendo proposto ao governo é muito necessário. Resta torcer para que se torne logo prática corrente.