Título: O presidente muda de rumo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2005, Notas & Informações, p. A3

Numa entrevista, anteontem, o ex-presidente Fernando Henrique disse que gostaria de ver o seu sucessor ¿mais ativo¿. Nesta hora, explicou, ¿o presidente tem que dar o rumo¿, do contrário não há rumo nenhum. No mesmo dia, o presidente Lula foi ativo e deu o rumo. Antes não o tivesse feito, porque o rumo dado ¿ diametralmente oposto àquele apontado por suas promessas de se empenhar no esclarecimento das denúncias que envolvem o seu governo e o seu partido ¿ foi o do abafamento da apuração das acusações cada vez mais verossímeis de que o PT montou o mais amplo e minucioso sistema de compra de poder político jamais visto neste país.

E mais: a forma de agir que Lula escolheu afronta o Congresso Nacional ¿ a instituição que ele dizia considerar apta a investigar, sem interferências, o suposto ¿mensalão¿. O presidente já não acha que a CPI é assunto exclusivo do Congresso.

Quando perceberam que a CPI dos Correios era não só inevitável, mas também chegaria ao denunciado pagamento a parlamentares para que ingressassem nos partidos da base aliada e votassem disciplinadamente com a maioria, os operadores políticos do governo partiram para criar outra comissão de inquérito, a da ¿compra de votos¿, que, restrita à Câmara, retrocederia até o episódio da emenda constitucional que em 1997 instituiu a reeleição de presidentes e governadores (e, depois, de prefeitos).

Desde logo ficou evidente o duplo intuito da manobra. De um lado, desfocar a investigação do que é essencial, no momento: as mesadas referidas pelo deputado Roberto Jefferson. De outro, proteger os presumíveis mensalistas, exceto os bodes expiatórios de praxe.

Afinal, não seriam os deputados do PL e do PP, as legendas citadas por Jefferson, para não falar de outras, que iriam ¿cortar na própria carne¿, conforme o agora desmoralizado bordão de Lula.

Ao mesmo tempo, a oposição conseguiu reunir as assinaturas necessárias para instalar uma comissão mista, como a dos Correios, exclusivamente para o ¿mensalão¿. A iniciativa é discutível, mas o que agora interessa não é o seu mérito e sim a competição criada entre as duas propostas de CPI (a do governo na Câmara também conseguiu o número de signatários para a sua efetivação).

O presidente do Senado, Renan Calheiros, prometeu aos líderes oposicionistas que instalaria a deles se o governo não conseguisse instalar a outra antes. Seguiu-se uma típica batalha parlamentar.

Depois que a oposição conseguiu, com o apoio de dois dissidentes governistas, instalar no Senado a CPI dos Bingos, autorizada na semana anterior pelo STF, o PT anunciou, em represália, que iria constituir a da Câmara em regime de urgência.

A alegação é pretexto. Desde o ano passado, a oposição tentava criar o inquérito dos Bingos, envolvendo o ex-assessor parlamentar do ministro José Dirceu, Waldomiro Diniz. Já a da compra de votos estava em cena muito antes da decisão do Supremo.

Em todo caso, havia uma pedra no caminho dos governistas: a sua comissão não poderia ser aprovada enquanto a Câmara não votasse a medida provisória da Timemania (a criação de uma loteria para ajudar clubes em dificuldades), o que, naturalmente, a oposição tratava de obstruir. Isso, como se diz, é do jogo.

O que não é, ou não era desde a redemocratização do País, foi o ato do presidente Lula de retirar a MP, por meio de outra, publicada numa edição extra de uma página do Diário Oficial.

Essa tentativa, afinal fracassada, de remover os obstáculos regimentais à CPI diversionista sepulta as derradeiras dúvidas sobre a verdadeira posição de Lula diante da crise da corrupção e a tal da agenda positiva de que tratou no começo da semana com o governador tucano Aécio Neves.

De qualquer forma, a violência política praticada por Lula deixa as coisas em pratos limpos: nem ele nem os seus querem que se conheçam e se punam as maracutaias a que recorrem para ganhar e conservar o poder.

São cópias carbono, no plano federal, do sistema de negociatas que o PT implantou, sucessivamente e não raro com os mesmos operadores, nas prefeituras que foi conquistando, para abastecer o caixa 2 do partido, que financia as suas campanhas e compra políticos venais.

É a nacionalização do esquema que funcionava comprovadamente em cidades como São José dos Campos e Santo André e muitas outras governadas pelo PT. Ninguém, em sã consciência, quer apostar no pior.

Mas Lula já não pode ser dissociado desse ¿jeito petista de governar¿