Título: Uma idéia infeliz
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2005, Notas & Informações, p. A3

Idéia certa no momento errado é a avaliação mais branda que se pode fazer da tentativa do relator do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Gilmar Machado (PT-MG), de ampliar a margem de gastos públicos no próximo ano. Seria um favor desastrado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tanto quanto um desserviço ao País, anunciar que o chefe do governo poderá economizar menos e gastar mais num ano de eleição presidencial. O risco do estrago ficou muito menor, felizmente, depois da interferência do secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy. Ele persuadiu o relator a mudar o substitutivo antes da votação do texto pela Comissão Mista de Orçamento. Seria preferível uma alteração mais ampla, mas a mudança introduzida pelo deputado pode ser suficiente para efeitos práticos.

Na versão inicial, o substitutivo proposto pelo deputado Gilmar Machado vinha sendo criticado por especialistas em contas públicas. ¿É a aplicação de um conceito certo no momento errado¿, disse na quarta-feira o economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Segundo ele, só tem sentido adotar metas anticíclicas em países que já tenham resolvido o problema fiscal. Nesse caso, pode ser conveniente a idéia de fazer economia nos anos bons, em que a arrecadação cresce, e queimar a reserva em gastos maiores nos anos maus, para estimular a economia. O Brasil, segundo esse raciocínio, ainda não chegou a ponto de adotar uma política fiscal anticíclica. Seu superávit primário serve para pagar uma parte dos juros devidos pelo Tesouro e ainda sobra um buraco nas contas.

A LDO estabelece as linhas principais do Orçamento-Geral da União que o governo apresenta ao Congresso, todo ano, até 31 de agosto. O projeto original da LDO atualmente em discussão foi baseado numa projeção de crescimento econômico de 4,5% em 2006. Foi mantida, nesse texto, a meta de superávit primário equivalente a 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), a mesma fixada para este exercício.

O relator apresentou um substitutivo com mudanças importantes. Segundo sua proposta, o governo poderia reduzir o superávit primário de 4,25% para 4%, se a estimativa do crescimento econômico, ao longo de 2006, ficasse abaixo dos 4,5% originalmente previstos. A meta poderia ser aumentada, se a expansão da economia fosse maior. Na primeira hipótese, o governo só não poderia diminuir o superávit primário se houvesse risco de aumento da relação dívida/PIB.

Com a intervenção do secretário Joaquim Levy, essas cláusulas foram modificadas. Pela nova proposta, o governo só poderá baixar a meta fiscal na proporção de um quinto da redução estimada para o crescimento do PIB. Nesse caso, o superávit primário só poderá cair para 4% se a expansão econômica for reestimada para 3,25%, mas isso ainda será sujeito a uma segunda condição.

Será preciso que a relação dívida/PIB caia pelo menos no mesmo ritmo observado nos dois anos anteriores. Esta hipótese é muito improvável e só será concretizada se os juros caírem mais do que hoje se prevê. O relator também propôs em seu substitutivo que as receitas tributárias que superem o teto de 16% do PIB sejam destinadas a uma reserva de contingência.

O governo poderá gastá-las em itens obrigatórios, como folha de pessoal e reajuste de salário mínimo, ou em projetos de investimento. Também poderá devolvê-las por meio de redução de impostos. Essa cláusula foi interpretada por alguns como proibição de que a receita excedente seja acrescentada ao superávit primário e usada para pagamento de juros.

Gilberto Machado contestou essa interpretação. As limitações, segundo ele, só valerão se o governo decidir gastar o dinheiro, mas não será obrigado a fazê-lo nem a devolver o excesso de arrecadação.

Convém discutir esse item com o máximo cuidado e eliminar todo risco de ambigüidade, para que o governo, na execução do orçamento, não fique prisioneiro de indesejáveis controvérsias jurídicas. Num ano de eleições, mais que em qualquer outro, é preciso garantir que a gestão das contas públicas seja prudente, conduzida com a máxima transparência e sem a interferência de interesses partidários de curto prazo. Uma boa LDO poderá preparar condições para isso.