Título: A receita da Fiesp
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2005, Notas & Informações, p. A3

O presidente Lula, que de maneira velada procura apoio à idéia de fortalecer a política fiscal, deveria examinar com atenção o estudo que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) acaba de concluir a respeito do impacto positivo que cortes permanentes dos gastos públicos teriam sobre o crescimento da economia brasileira. Os argumentos ali apresentados fortalecem a posição dos que, dentro do governo, defendem um ajuste fiscal mais consistente e duradouro. O conteúdo do documento está resumido no seu título: 'Gastos Públicos: cortar para crescer.' O subtítulo resume suas recomendações: 'Um novo arranjo para romper o imobilismo.' As sugestões da Fiesp não são idênticas às feitas pelo deputado federal Delfim Netto (PP-SP), resumidas na meta de déficit nominal zero já em 2008 e que a equipe econômica parece propensa a perfilhar. Mas, como estas, destinam-se a tornar mais rigoroso o controle dos gastos públicos, de modo a abrir espaço para o aumento dos investimentos, tanto privados como públicos, e à redução da dívida pública e dos juros. Ao contrário da maior parte dos documentos entregues ao governo por associações empresariais, que costumam conter listas de reivindicações setoriais, este produzido pela Fiesp não contém pedidos específicos.

Se tem uma reivindicação implícita, é a que faz a imensa maioria da sociedade brasileira: a redução da insuportável carga tributária, sem prejuízo das políticas públicas voltadas para os mais necessitados. E o grande mérito do estudo da Fiesp está justamente na demonstração de que é possível alcançar esse objetivo, apesar das dificuldades políticas e administrativas.

Para se alcançar esse resultado - menos gastos públicos, mais crescimento -, será necessário romper vícios e práticas que se consolidaram na administração pública, a ponto de se tornarem regras pétreas. A mais sólida dessas regras diz que 'a receita cria sua própria despesa', ou seja, se houver algum dinheiro disponível nos cofres públicos, sempre haverá uma forma de gastá-lo. Nos últimos anos, o setor público adotou também o corolário dessa regra: ao crescimento da despesa deve corresponder o crescimento maior da receita. É a fiel obediência a essas regras que, em boa medida, explica o fato, lembrado no documento da Fiesp, de que a política fiscal, de 1995 para cá, teve como característica 'a crescente elevação da carga tributária e das despesas como proporção do PIB'. Mas, mesmo tendo o peso dos impostos crescido tanto (a arrecadação federal passou de 17,87% do PIB em 1995 para 23,95% em 2004), a dívida pública também cresceu, passando de 30,5% do PIB em 1995 para 51,8% no ano passado.

De acordo com o estudo da Fiesp, se este tipo de política fiscal for mantido nos próximos anos, mesmo com a obtenção de superávits primários relativamente elevados, como os atuais, a dívida pública diminuirá muito pouco (apenas 7 pontos porcentuais como proporção do PIB até 2015), os juros reais continuarão muito altos (em torno de 10% ao ano), a carga tributária não cairá e o crescimento da economia será pífio.

Para romper esse ciclo, a Fiesp sugere que o governo assuma o compromisso de cortar, já a partir de 2006 e por seis anos consecutivos, 2% reais de suas despesas. Um corte desses imporá ao setor público a necessidade de obter ganhos de eficiência - quem conhece um pouco que seja da estrutura e do funcionamento do aparelho estatal sabe que este pode ser muito mais eficiente. Gastando menos, o governo poderá reduzir gradualmente o volume de sua dívida e aumentar sua capacidade de investir, mesmo com a redução da carga tributária. O setor privado pagará menos impostos e disporá de maior oferta de financiamento, visto que menos recursos serão canalizados para a dívida pública. Se o governo cortar os gastos nesse ritmo, calcula a Fiesp, o ritmo de crescimento anual da economia saltará de 3,5% para 6,8% em 2015, com média de 5,7% no período. A combinação de cortes de gastos com crescimento mais rápido da economia permitirá a queda da carga tributária total de 35,7% para 26,4% do PIB.

Pode-se questionar um ou outro número, mas o resultado final dos cortes das despesas públicas será algo parecido com esse previsto pela Fiesp.