Título: O laptop de US$ 100
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2005, Notas & Informações, p. A3

Envolto nas turbulências políticas do presente, o presidente Lula abriu espaço em sua agenda esta semana para um olhar em direção ao futuro. Lula e três de seus ministros discutiram com especialistas do Media Lab, o prestigioso laboratório de pesquisas do Massachusetts Institute of Technology (MIT), o seu ambicioso plano de distribuir um computador portátil para cada criança da rede pública escolar, ao custo inicial de US$ 100 cada.

O presidente demonstrou entusiasmo pela idéia, determinando a formação imediata de um grupo de trabalho, para apresentar um plano 'não em 30 dias, mas em 29'. Assessores da Presidência e dos Ministérios da Educação, das Comunicações, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e da Ciência e Tecnologia se debruçarão agora sobre uma série de temas que envolvem o empreendimento, como a capacidade da indústria nacional de fabricar componentes desses laptops, recursos orçamentários para custear a encomenda inicial de 1 milhão de aparelhos, a criação de uma entidade para gerir o projeto, sua inserção nos programas de educação e de inclusão digital do governo, e assim por diante.

A proposta tem um aspecto educacional e outro econômico, ambos de importância transcendente. A noção que o anima, e que tem no educador Seymour Papert, do Media Lab, que veio apresentar a proposta, um dos grandes mentores, é a de que o aprendizado é algo que se constrói. E o computador, sobretudo quando conectado à rede, é a ferramenta por excelência dessa construção. A diferença entre as tradicionais salas de informática das escolas e o laptop individual para as crianças é significativa, na visão de Papert e do diretor do Media Lab, Nicholas Negroponte, um respeitado teórico da revolução digital que também veio apresentar a idéia. Se o conhecimento é construído pela criança, o computador deve fazer parte de seu cotidiano, e não se restringir a uma experiência de alguns minutos por semana no ambiente compartilhado da escola. Pela natureza essencial mente coletiva dessa construção, também é fundamental que o computador esteja conectado à rede, na qual a criança possa buscar e trocar informações, e ver também 'publicada' na internet a sua contribuição pessoal. Os recursos e os temas são naturalmente ilimitados. Vão desde a criação de jogos de computador, que envolvem exercícios de matemática, geometria e física, ao relato da história de um bairro ou de um vilarejo. Levando-o para casa, a criança pobre, à qual está destinada esse programa, torna o computador literalmente seu, partilhando-o com seus pais, irmãos e amigos, incorporando-o à sua realidade e tomando contato com a sociedade da informação que se consolida a passos largos.

A iniciativa tende a ter efeitos econômicos positivos, primeiro pelo impacto que pode ter na educação das crianças mais carentes, ajudando a prepará-las para o novo mundo do trabalho na sociedade da informação.

Além disso, a intenção é fabricar o maior número possível de componentes dentro do País. E, como se trata de uma proposta mundial, que tende a ser aceita também em países que não têm a capacidade industrial do Brasil, uma parte dessa produção também poderá ser exportada. Inicialmente, para alcançar os ganhos de escala necessários à redução de custos, propõe-se fabricar algo como 6 milhões de computadores, sendo 1 milhão no Brasil e o restante noutros países. Esse volume atenderia a um projeto piloto, já a partir do fim do ano que vem. Mas a perspectiva é a da universalização do laptop no ensino público primário e secundário, que, no Brasil, abrange 30 milhões de crianças. Se o projeto vier a ter boa aceitação, criará a demanda de dezenas de milhões de unidades noutros países.

Ainda há obstáculos técnicos, industriais, logísticos, legais e, naturalmente, orçamentários a serem superados. Mas o interesse do governo pelo projeto, que não tem fins lucrativos nem envolve o pagamento de royalties ou de patentes ao Media Lab, merece aplausos. Ele deve ser estudado com o espírito enunciado pelo ministro da Educação, Tarso Genro: como um projeto de Estado, e não apenas de um governo.