Título: Podres Poderes
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2005, Notas & Informações, p. A3

Não bastassem as aulas de como 'sujar' dinheiro limpo, produzido pelo suor do trabalhador e recolhido em impostos, para comprar apoio de parlamentares amorais, dadas no Congresso após a denúncia da corrupção nos Correios, Rondônia, pequeno e pobre Estado nortista, também tem produzido seus manuais de corrupção. Isso se tornou público e notório desde a divulgação de tentativas de assalto aos cofres públicos de deputados estaduais, filmadas pelo governador tucano Ivo Cassol e transmitidas no programa dominical da Rede Globo Fantástico. As cenas de achaque, de início censuradas no Estado por insensata decisão, que só pôs o Judiciário sob suspeita de estar no mesmo pântano moral de Executivo e Legislativo, provocaram manifestações iradas da população, que chegou a apedrejar os edifícios onde os membros desses 'podres Poderes' se reúnem.

Na ocasião, lembramos aqui que 'Rondônia é o primeiro Estado da Federação onde o povo chamou a si o combate à corrupção'. E nosso editorial terminava com um aviso: 'Já imaginou se a moda pega no resto do Brasil, hein?' Antes que a moda pegasse, contudo, de lá mesmo de Rondônia têm sido noticiados agora novos indícios de que infelizmente tínhamos razão quando alertávamos para as evidências de que naquele faroeste político nortista não havia mocinhos contra bandidos, mas apenas espécimes desta última categoria. Afinal, o governador parecia resistir ao achaque de sete deputados de seis diferentes bancadas na filmagem por ele encomendada, na qual figuravam tipos como Ronilton Capixaba (PL), que se dizia convencido de que Cassol também estaria 'levando o seu' e completava: 'Mas aí alguém leva como executor. Porque é de praxe. Você não vai consertar o mundo.' Mas o Legislativo, cujos membros tinham sido denunciados, defendeu-se acusando o governador, que teria começado a ameaçar divulgar as gravações, sempre que contrariado na Assembléia, desde o fim de 2003, mas só procurado a imprensa para fazê-lo após 21 de março último, ocasião em que 20 dos 24 deputados autorizaram o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a processá-lo por formação de quadrilha e por fraudar licitações em favor de empresas a ele ligadas entre 1997 e 2002, quando era prefeito municipal de Rolim de Moura. Por mais nítidos que fossem os sinais de que políticos de vários partidos, de direita e de esquerda, do governo e da oposição, se empanturravam com dinheiro público, contudo, chega a provocar espanto a constatação de que 23 deputados estaduais de Rondônia são agora acusados pela Polícia Federal de embolsar os salários de funcionários fantasmas lotados em seus gabinetes. E somente um, o petista Neri Firigolo, não estaria filiado a esse esquema.

O delegado Joaquim Mesquita, superintendente da PF no Estado, que descobriu as listas de servidores fantasmas num notebook apreendido quinta-feira da semana passada, juntamente com centenas de pastas em que estão arquivadas folhas de pagamento referentes a 2001 e com indícios de que já então o sistema existia, calculou que os desvios giram em torno de R$ 15 milhões em apenas um ano. O presidente da Assembléia, deputado Carlão de Oliveira, se teria apropriado de R$ 1,4 milhão. O vice, Kaká Mendonça, teria embolsado R$ 1,13 milhão e também aproveitado para pagar dívida de sua família a um posto de gasolina em Pimenta Bueno, a cerca de 600 quilômetros de Porto Velho, com dois cheques de R$ 4.900 emitidos pela Assembléia. Em depoimento ao Ministério Público Estadual, o dono do posto, Amarildo Farias Vieira, disse ter estranhado a forma de pagamento, mas a aceitara. 'Ele queria pagar, e eu receber', explicou.

Ninguém se deve iludir imaginando que essa prática maligna, efeito colateral quase inexorável das verbas de gabinete (em Rondônia, cada deputado tem o direito de gastar R$ 13,5 mil e contratar 18 funcionários), é exclusiva de Estados pequenos e de regiões pobres: vereadores paulistanos já foram acusados de fazerem a mesmíssima coisa. Para coibi-la, é preciso ir mais fundo que simplesmente expulsar os malandros, como estão fazendo PTB, PFL e PT em Rondônia: urge extirpar o mal pela raiz, pondo fim à liberalidade com que os legisladores criam fontes alternativas de receitas para si próprios nas costas largas do contribuinte.