Título: Saída para crise vai além da reorganização da base aliada
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2005, Nacional, p. A8

A saída para a mais dramática crise política do pós-ditadura está na elaboração de um projeto nacional amplo e palatável aos principais partidos políticos, que seriam convocados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para uma coalizão que, amplificada, conduzisse o País com o mínimo de traumas até as eleições de 2006. A solução, portanto, passa longe de uma mera rearrumação da base aliada e exige soluções de compromisso mais amplos. Este é o primeiro ponto de sintonia de seis personalidades reconhecidas como referências éticas na política brasileira, ouvidas pelo Estado. Os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Marco Maciel (PFL-PE), os deputados Fernando Gabeira (PV-RJ), Roberto Freire (PPS-PE) e Paulo Delgado (PT-MG) e o ex-deputado Euclides Scalco (PSDB-PR) concordam num segundo ponto: nunca viram crise tão devastadora instalada em tão pouco tempo. E num terceiro: desde o início, o governo mostra dificuldades para interpretar os sinais da política.

Dos seis, alguns assumem posições mais radicais, como Gabeira, que quer debater o futuro, mas admite que "não há como deixar de ser refém dos fatos". Acha que o governo tem dado mostras de que não entende a crise e, por isso, não percebe a urgência de um diálogo amplo com todos os partidos. O papel de Lula, diz, pode ser grandioso ou crítico: "Ele pode ser o líder desse diálogo ou embarcar nele no rabo do foguete."

SINAIS

Simon considera que o governo decifra mal os sinais políticos desde o início e dá exemplo: o bloqueio da CPI do caso Waldomiro. "Se ela tivesse sido instalada, não teríamos a crise de hoje. O bloqueio abriu a porteira para a corrupção", diz. Para ele, o Congresso entendeu que o bloqueio da CPI garantia a impunidade para os corruptos. E aponta outro erro: a ação artificial que fez dobrar as bancadas de PP, PTB e PL na Câmara.

O senador e ex-vice-presidente Marco Maciel reconhece que a crise cresceu com rapidez inusual e se irradiou de forma perversa, notadamente nas empresas estatais. Ele se confessa preocupado: "Estamos diante de fatos que devem ser apurados. Mas nós temos instituições robustas", argumenta. Maciel vai ficar de olho nos sinais da crise - se ela atravessar limites institucionais, o risco cresce.

Delgado alerta: "O que afunda o navio é a parte submersa. Por isso, tem de jogar carga ao mar." Ele usa a metáfora para cobrar a punição dos culpados e dois alinhamentos de Lula. O primeiro é que "tenha grandeza e acabe com o compadrio interno" no PT; o segundo é que abra espaço para uma articulação de centro-esquerda que tenha o PMDB e o PSDB em seu núcleo, além "dos democratas em geral". E, com eles, governe até o fim do mandato.

Freire admite que ele e seu partido passaram por muitas crises incólumes, mas a crise de agora trouxe um condimento novo: "O que eu estou começando a sentir, e que nunca senti antes, é o constrangimento. A sociedade está começando a dizer: tem homens sérios, mulheres sérias, políticos respeitáveis, mas a coisa está difícil." O experiente deputado pernambucano acha que o Congresso tem de reagir - e rápido - ao veloz processo de desgaste.

FARRA DO BOI

Scalco ironiza as críticas que o PT sempre fez ao programa de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso, do qual participou: "Já pensou o tamanho da farra se o setor telefônico, o elétrico e o siderúrgico ainda estivessem na área do governo?" Ele acha que o PT "não montou um governo, administrou o poder". Hoje, entende que o governo Lula terá de trabalhar muito para conseguir chegar a seu final sem traumas ainda maiores.

De todos, Gabeira é o único que quer a reforma política já, como o primeiro de três passos para construir as saídas da crise. Juntamente com a reforma, ele sugere outras medidas moralizantes, como a redução do número de parlamentares e dos cargos de confiança à disposição dos governos. O segundo passo é promover a regeneração da esquerda, que ele vê atingida no coração pela crise que desgasta o PT. E o terceiro passo é a formação de coalizão nacional que ajude Lula a dirigir o País até as eleições de 2006.