Título: Papéis falsos justificam fraude
Autor: Biaggio Talento
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2005, Nacional, p. A9

Fogo em cartório causou fenômeno de terras que estão 'no ar'

O agrônomo Victor Nehmi Filho, verdadeiro proprietário da Fazenda Barra, contou ao Estado que há dois anos e meio foi visitado por um advogado elegante, que pediu para ver as terras e os títulos de propriedade, dizendo-se representante de uma agência de publicidade de Belo Horizonte. Depois de ver a escritura, foi embora comentando que os títulos de seu cliente eram falsos. Episódio similar aconteceu anteontem. Uma equipe de filmagem chegou à fazenda dizendo-se do programa Globo Rural, da TV Globo. Nehmi, fazendeiro tradicional, perguntou os nomes dos editores do programa, que ele conhece. A equipe não sabia e desistiu da filmagem. A secretária anotou a placa do carro - HCS-2714, de Belo Horizonte, a cidade onde a SMPB e a DNA têm sede.

Nehmi explica que o cartório de registro de propriedades rurais da região de Barreiras (BA), onde está a fazenda, foi incendiado na década dos 50 e toda o arquivo de registro de propriedades foi queimado. A partir daí, começou a valer a boa-fé pública: as pessoas declaravam que possuíam uma terra e o cartório providenciava o título. Essa liberalidade criou o fenômeno do "segundo andar" - as propriedades que estão "no ar" e só existem no papel.

Segundo Nehmi, uma característica que identifica facilmente esses títulos falsos é que os limites das propriedades são imprecisos e um tanto indefinidos. Mesmo assim esses papéis têm valor de mercado, um valor muito baixo, mas que se aplica à única utilidade dos papéis - serem usados como forma fraudulenta de exibir um patrimônio irreal. "Isso serve muito para empresas que participam de licitações, como agências de publicidade, por exemplo", diz Nehmi.

Ele lembra que as empresas que participam de licitações de governo precisam comprovar um patrimônio elevado. "É fácil, você gasta R$ 10 mil para comprar o título de uma fazenda que vale R$ 500 mil. O patrimônio que você vai exibir é de R$ 500 mil, mas você gastou só R$ 10 mil", explicou. Segundo Nehmi, a Fazenda Barra tem 20,8 mil hectares e foi desmembrada da antiga Fazenda Barra, que tinha um total de 200 mil hectares.