Título: No México de Fox, uma revolução inacabada
Autor: Kevin Sullivan e Mary Jordan
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2005, Internacional, p. A16

Anos após sua eleição histórica em 2 de julho de 2000, agora que o presidente Vicente Fox ingressa no crepúsculo de seu mandato e o país caminha para eleições no próximo ano, nas quais não poderá concorrer, mesmo seus críticos dizem que ele tornou o governo mais honesto e transparente, fortaleceu a economia e promoveu a democracia. Mas a idéia de Fox como um revolucionário, uma figura poderosa que revigoraria e modernizaria uma nação havia muito estrangulada por governos corruptos e autoritários, morreu.

E muitos de seus assessores mais próximos acham que, a despeito de sua imagem, Fox sucumbiu bem antes de qualquer um perceber, e mais cedo do que eles gostariam de admitir na época.

Muitos assessores disseram que, poucas semanas depois das eleições, surgiram problemas sérios, incluindo a aversão de Fox pelo confronto e sua rejeição à política de endurecimento com o Partido Revolucionário Institucional (PRI), que havia governado o México por sete décadas até ele conquistar a presidência.

Além disso, Fox quase ficou paralisado com a preocupação de que os adversários, se fossem provocados, desestabilizariam a economia com greves e protestos.

Para os assessores, bastou um ano para as promessas ousadas de seu governo quase se evaporarem.

Adolfo Aguilar Zinser, um alto assessor de Fox e arquiteto de sua campanha presidencial, diz que "a revolução de Fox morreu na transição," referindo-se aos cinco meses entre a eleição e a posse.

Uma conversa dá um vislumbre das razões porque a prometida revolução de Fox - de reduzir o crime, criar milhões de empregos e sobrecarregar a economia reformando leis fiscais, trabalhistas e de energia obsoletas - jamais decolou no entender de seus auxiliares diretos e de observadores de fora.

Em junho de 2001, seis meses depois de Fox assumir o cargo, um grupo de assessores mais próximos pediu uma reunião de emergência em seu rancho.

Eles temiam que a prometida "revolução do século 21", estivesse afundando com a sua presidência.

"Você não está fazendo o trabalho; você está nos desertando", disse Aguilar Zinser, que mais tarde atuou como embaixador do México nas Nações Unidas até Fox demiti-lo por suas críticas a políticas americanas.

Os assessores disseram a Fox que ele estava sendo brando demais com o PRI e com isso estava obstruindo as reformas fundamentais no Congresso.

Disseram-lhe que chegara a hora de jogar duro, e propuseram um plano: esmiuçar as finanças de cem dirigentes do PRI e ameaçá-los com denúncias de corrupção.

"Vamos dar-lhes opções: sair do país ou ir para a cadeia", recordou Zinser, numa entrevista antes de sua morte num acidente de trânsito no começo deste mês.

Segundo Jorge C.

Castañeda, ex-chanceler de Fox, o presidente balançou a cabeça.

"Eu não sou Deus", disse.

"Quem sou eu para fazer essa lista?" Castañeda se lembra de ter dito, frustrado: "Isso não vai funcionar.

Estamos perdendo batalhas demais.

" Em recente entrevista, Fox insistiu em que conseguira trazer mudanças duradouras para o México.

"A revolução para mim era quebrar os 70 anos de ditadura autoritária", disse ele.

Fox se comparou a Lech Walesa, cuja eleição para a presidência da Polônia foi um golpe histórico contra o comunismo soviético, mas cuja transição de candidato combativo a chefe de Estado "não foi muito suave".

Disse também que sua própria guinada da retórica feroz da campanha para uma atitude mais cautelosa como presidente foi apenas o pragmatismo de um executivo cujo partido tinha minoria no Congresso.

Quando Fox assumiu, cheio de empáfia e do alto de seus mais de 1,90m de altura sobre as infalíveis botas de vaqueiro, talvez não houvesse outra figura da política mexicana que houvesse cativado tanto os mexicanos e milhões de pessoas nos Estados Unidos, muitas delas conhecendo pela primeira vez o nome de um presidente mexicano.

Agora, quando Fox se aproxima de seu 63.

º aniversário, os cabelos e bigodes pretos estão grisalhos, as rugas mais fundas e o antigo sorriso largo demora maios para aparecer.

Uma operação na coluna, há dois anos, o forçou a trocar as grandes botas por sapatos baixos e macios.

"Meu governo não é um fracasso", disse ele, acrescentando: "Não se constrói um país em seis anos.

O atraso do México era tanto que precisaremos de uma geração para resolver todos os seus problemas.

" Perguntado se se sentiu esmagado pelo cargo, respondeu com veemência: "Nunca.

Não foi isso que me fez mudar.

Muitos ainda me perguntam: `Onde estão as botas? Onde está sua linguagem e suas mensagens de antes?¿ Mas ser presidente é diferente de ser candidato.

Exige mais prudência, mais tolerância.

Sendo presidente, um presidente minoritário, sou forçado a fazer consensos e acordos.

Então, foi nisso que trabalhei.

Teria sido tudo diferente nessa história se eu tivesse tido maioria no Congresso.

" Fox reconheceu que seus primeiros esforços para construir uma coalizão com o PRI deram poucos resultados.

"Foi uma decisão que a história terá de julgar", disse ele.

"Por enquanto, não parece ter sido a decisão acertada.

Mas se pudesse voltar no tempo, ainda continuaria tentando a opção da pluralidade e das alianças.

Estou absolutamente em paz com minha consciência de que fiz o bem para o país.

" Pouco depois da eleição, a equipe de transição de Fox começou a se reunir numa casa particular na Rua Reforma, 607.

Numa das primeiras reuniões, recorda Castañeda, a campanha recebeu um presente.

Castañeda disse que o presidente que estava saindo, Ernesto Zedillo, havia indicado privadamente que estava disposto a decretar aumento na tarifa de energia elétrica e no preço da gasolina antes de deixar o cargo, criando uma perspectiva de receita potencialmente enorme para o primeiro orçamento de Fox.

Castañeda exultou com o fato de que Zedillo, um economista formado em Yale que havia rompido com o próprio partido, estivesse se oferecendo para arcar com o ônus político por uma medida impopular.

Ele se recorda de Fox dizendo: "Não, não queremos começar com medidas impopulares.

" "Esse foi o primeiro sinal de alerta," disse Castañeda, relembrando sua preocupação de que um líder recém-eleito não estivesse disposto a tomar medidas arriscadas, mas necessárias.

"Eu disse: `Epa! Temos um problema aqui.

¿" Em uma entrevista recente,Fox disse que Zedillo não fez essa oferta.

Segundo uma fonte próxima de Zedillo, porém, o ex-presidente fez.

Castañeda disse que naqueles primeiros meses houve muitos exemplos em que Fox se retraiu ante a idéia de fazer alguma coisa que pudesse prejudicar seus índices de popularidade.

Durante a campanha, Fox fizera promessas ousadas.

Criaria milhões de empregos e melhoraria a situação dos pobres, obteria um novo acordo de imigração com os Estados Unidos, transformaria as legislações fiscal e trabalhista obsoletas para atrair investimentos.

Também reformaria a educação e puniria a corrupção que corroía o governo e o sistema judiciário.

O ex-chefe financeiro da campanha de Fox, Lino Korrodi, o conhecia desde 1967, quando os dois estavam começando na Coca-Cola Co.

, onde Fox subiu até se tornar um alto executivo da empresa no México.

Korrodi disse que sempre considerara Fox quase sobre-humano e ousado.

Mas para ele, depois de se tornar presidente, Fox de repente mostrou falta de determinação.

Korrodi, que deixou o governo depois de alegações de que teria ajudado a intermediar contribuições ilegais do exterior para a campanha política do presidente, disse que Fox mudou completamente e parecia menor do que quando chegara à residência presidencial de Los Pinos.

"Estou falando de dois Foxs," disse Korrodi.

"O Fox que venceu em 2000 e o Fox que, chegando à porta de Los Pinos, tirou as botas.

" Aguilar Zinser disse que observou o mesmo contraste em setembro de 2000, quando a equipe de transição foi ao antigo e belo rancho em Cocoyoc, uma cidade de veraneio ao sul da Cidade do México.

Certa manhã, segundo Zinser, a equipe entrou numa sala de reuniões onde um vasto mapa da organização tentacular da burocracia federal fora pregado na parede.

Ele recordou que Fox olhava cada vez mais alarmado enquanto estudava a teia de ministérios e agências que cuidavam desde a espionagem aos pesqueiros.

"É isso que eu tenho de administrar?", indagou Fox.

Aquela burocracia onipresente, muitas vezes corrupta, poderia enterrar as ambições de qualquer novo líder, e Fox parecia particularmente assustado.

Para Castañeda, parte do problema foi que Fox não esperava realmente vencer, por isso não havia se preparado para governar.

Um momento revelador, recorda, foi quando ouviu Fox dizer ao primeiro-ministro britânico, Tony Blair, em 2001, que gostara mais de ser candidato do que de governar.

Para Zinser, Fox foi de fato vendido à nação como um produto novo.

"O produto tinha um bigode, um chapéu, um cinto, as botas e um nome de marca," disse.

"Era tudo identificado com uma garrafa de Coca-Cola.

E Fox estava muito confortável sendo uma garrafa.

" Mas ante o desafio de governar, Fox teria ficado repentinamente inseguro de seu papel e incapaz de agarrar o poder da presidência.

"Não queríamos admitir isso no começo, mas quando olhamos dentro da garrafa, dissemos: `Meu Deus, está vazia.

¿" Alguns dias antes de Fox tomar posse, ele se aproximou de Carlos Rojas Magnon, um amigo de toda a vida que estava cuidando de questões administrativas do governo.

Estendeu-lhe uma lista de jornalistas e empresas de mídia que estavam recebendo pagamentos mensais da presidência, uma longa tradição que ajudava a blindar de críticas os políticos do PRI.

"Acabe com isso", ordenou Fox.

Rojas disse que cortar os pagamentos dos jornalistas os irritaria e isso, com certeza, influiria na maneira como fariam a cobertura do novo governo.

Fox reagiu: "Bem, algum dia teria de ser feito.

Hoje é um dia tão bom quanto qualquer outro.

" Para Rojas, o momento foi um exemplo das realizações de Fox.

Ele disse que os esforços do presidente para acabar com os laços corruptos e tornar os gastos públicos transparentes - num país em que predecessores podiam gastar legalmente milhões em segredo - foram, de fato revolucionários.

Ironicamente, foi essa transparência que tirou Rojas do governo.

Quando um site da internet sobre gastos oficiais mostrou que a residência presidencial fora guarnecida com toalhas de U$ 400 , Rojas caiu.

Mas ele e Fox continuaram amigos.

Durante a era PRI, tanto Fox como seus assessores sofreram humilhações e coisas piores.

Rojas foi preso por pintar slogans anti-PRI numa parede.

Fox perdeu uma eleição governamental em 1991 na qual se denunciou que houve fraude do PRI.

Aguilar Zinser disse que foi seqüestrado de seu escritório por pistoleiros contratados pelo PRI no início dos anos 80 e levado para uma base militar onde foi vendado, espancado, e teve a cabeça mergulhada várias vezes na água de uma latrina.

Embora alguns líderes do PRI fossem honestos, outros fraudavam eleições e saqueavam o erário para subsidiar um estilo de vida faustoso.

Alguns funcionários do partido chegaram a ser implicados no assassinato de rivais.

Depois de eleito, porém, Fox deu empregos importantes a membros do PRI.

Rojas disse que não podia acreditar nisso.

Ele contou que numa reunião da equipe de transição protestou junto com Fox: "Que raios estamos fazendo com todos esses caras do PRI no governo?" Mas Fox ficou falando na necessidade de consenso.

"Não foi fácil de engolir", recorda Rojas.

Pare ele, Fox às vezes não exercia o tipo de liderança que era necessária.

Ele não conseguia controlar os membros de seu gabinete, disse Rojas, e os desentendimentos desceram a provocações públicas.

Mas segundo ele o problema era mais evidente na maneira como Fox tratava o PRI.

A eleição de Fox devastou o PRI.

Seus líderes estavam brigando abertamente e seu quadro financeiro era tão grave que alguns líderes partidários chegaram a discutir a venda de edifícios históricos.

O partido parecia à beira do colapso.

Rojas argumentou que não era hora de aliviar, dizendo que a velha-guarda do PRI só respeitaria a força.

"Quando você tem um oponente cambaleando no ringue, você acaba com ele", disse Rojas.

"Você não espera dez minutos para ele se recuperar.

" Fox "devia ter acabado com eles nos primeiros meses.

Mas isso não era da natureza dele".