Título: Dinheiro, apenas, ajudará a África?
Autor: David Brooks
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2005, Internacional, p. A18

Karl Rove tem suas teorias sobre o que separa os liberais dos conservadores, e eu tenho as minhas. Estas incluem as diferenças entre Jeffrey Sachs e George W.

Bush.

Jeffrey Sachs, como vocês talvez saibam, é o economista da Universidade de Colúmbia que fez mais que qualquer outra pessoa para pôr a pobreza da África no topo da agenda global.

Ele fez lobby e brigou com o mundo desenvolvido para que este perdoasse dívidas, estabelecesse metas e aumentasse a ajuda para amenizar o sofrimento dos extremamente pobres.

Mas Sachs é um filho do Iluminismo francês.

No fim de seu novo livro, The End of Poverty (O Fim da Pobreza), ele rende um antiquado tributo ao Iluminismo do século 18, quando os principais pensadores tinham uma confiança impressionante em sua capacidade de remodelar a realidade para conformá-la à razão.

No livro, Sachs parece, aos olhos de hoje, um filósofo daquele tempo.

Ele se diz um "economista clínico", que diagnostica os males que afetam as nações como um médico diagnostica um organismo humano e detém o poder sobre sua vida e morte.

Uma das características notáveis de seu livro é a ausência de indivíduos africanos.

Há apenas a massa indistinta dos pobres sofredores, presos em sistemas, e Sachs viajando pelo planeta e prescrevendo tratamentos.

Sachs é também um materialista.

Ele rejeita ou dá pouca importância a quem acredita que fatores humanos como corrupção, ganância, instituições, conflito e tradições representam contribuições consideráveis ao sofrimento da África.

Em vez disso, ele sublinha causas materiais: falta de recursos naturais, falta de tecnologia, má geografia e a própria pobreza como uma armadilha que se perpetua por si mesma.

Isto lhe dá uma confiança impressionante na maleabilidade das sociedades humanas.

Embora US$ 2,3 trilhões tenham sido gastos ao longo dos últimos 50 anos para combater a pobreza global, sem resultar em nada parecido com o que esperaríamos, Sachs tem certeza de que, com suas percepções e - mais importante - com mais dinheiro, a pobreza extrema pode ser eliminada com um grande e derradeiro golpe.

"Podemos prever de modo realista um mundo sem pobreza extrema em 2025", escreve ele.

"Pôr fim à armadilha da pobreza será muito mais fácil do que parece.

" Sachs, que tende a considerar imoral qualquer pessoa que discorde dele, despreza o governo Bush.

A turma de Bush, acusa ele, abandonou os pobres.

O governo Bush quase dobrou a ajuda externa, mas não vai gastar as quantias que Sachs deseja.

A turma de Bush, pelo menos no que diz respeito à política para a África, aprendeu com séculos de ensinamentos conservadores - de Burke a Oakeshott e a Hayek - a ver com ceticismo os planos grandiosos sachsianos.

Os conservadores sublinham que é uma presunção fatal acreditar que podemos compreender sociedades complexas, ou resgatá-las do alto com planejamento tecnocrático.

O pessoal de Bush, como a maioria dos conservadores, tende a sublinhar causas não-materiais da pobreza: governos corruptos, incentivos perversos, instituições que sufocam a liberdade.

Os conservadores apreciam a viga torta da humanidade - o fato de que as criaturas humanas não são simplesmente organismos dentro de sistemas, mas têm mentes e inclinações próprias que normalmente desafiam os planejadores.

Pode-se dar telas de mosquiteiro às pessoas para a prevenção da malária, mas elas podem usá-las para pegar peixes.

No lugar do esforço monumental do economista para acabar com a pobreza, o governo Bush concebeu a Conta do Desafio do Milênio, que Sachs não repudia, mas tampouco festeja.

Este programa baseia-se na suposição de que a ajuda só funciona quando há boa administração e esta só existe onde o povo local origina os programas e acredita neles.

A conta direciona a ajuda a países que assumem responsabilidade por sua própria reforma.

As virtudes gradualistas do programa acabam sendo seus vícios.

Recentemente, assisti a uma reunião em Moçambique entre funcionários locais e americanos.

Ficou claro que o programa, embora bem concebido, foi pessimamente executado.

Haviam sido fornecidas aos funcionários locais apenas as mais vagas noções do tipo de projeto que os EUA estão dispostos a financiar.

Depois de dois anos de tentativas, eles não haviam recebido nada.

Contudo, a abordagem de Bush, quando melhorada, pelo menos aproveita a experiência das décadas passadas, enquanto Sachs, como observaram os críticos, repete os anos 60.

Se, à la Sachs, acreditarmos que o dinheiro se traduz facilmente em crescimento, se despejarmos ajuda na África sem levar em consideração as instituições locais, traremos pouco benefício, esgotaremos os doadores e desacreditaremos a iniciativa de auxílio pelos próximos anos.