Título: Mulheres erguem a voz contra a opressão em países islâmicos
Autor: Gilles Lapouge
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2005, Internacional, p. A18

As vozes de três mulheres se elevam para denunciar a condição infligida à mulher nos países islâmicos. Essas vozes vêem de três países.

Uma é italiana, a jornalista Oriana Fallaci.

A segunda é de uma parlamentar holandesa de origem somali, Ayaan Hirsi Ali.

A terceira nos chega do Canadá, Irshad Manji, uma sul-africana muçulmana que é jornalista em Toronto.

Após as denúncias, as duas muçulmanas receberam ameaças de morte.

A italiana está sendo perseguida pela Justiça de Bergamo, sob acusação de um muçulmano, Adel Smith.

Essas reações podem ser explicadas.

As três mulheres, na verdade, tão diferentes entre si, feriram a "omertà", ou seja, a lei do silêncio que reina no centro das sociedades muçulmanas.

"Até muçulmanos que se dizem moderados", escreveu a jornalista canadense, "vão, por razões políticas, rejeitar a questão dos direitos da mulher para defender o Islã.

" Essa tomada de posição é corajosa e útil.

Claro, faz tempo que a sorte das mulheres, em certas sociedades islâmicas, é conhecida, analisada, vilipendiada, mas as indignações vêem sempre dos não-muçulmanos - escritores, jornalistas, humanistas, organizações feministas do Ocidente.

A entrada de duas mulheres muçulmanas nessa história marca um passo, o início de uma tomada de consciência revolucionária para o próprio Islã.

Elas condenam por sua conta, mas de um ponto de vista interno, pode-se dizer, o que sensibiliza a maioria faz tempo: a excisão (a extração do clitóris), a submissão da jovem mulher à família, os casamentos forçados, os castigos que uma jovem muçulmana deve sofrer por parte do pai, da família e dos irmãos à menor expressão sentimental ou sexual.

Chegou-se ao extremo em que um conselho de família decidiu que uma garota culpada de sair com um rapaz fosse executada.

Outro escândalo: uma jovem violentada foi punida.

Em vez de ser defendida pelos seus (sua comunidade, sua família ou as leis de seu país), foi ela quem teve de pagar pela atuação desses indivíduos sórdidos, que foram poupados.

A canadense Manji foi tomada de fúria no dia em que soube que uma argelina de 18 anos, violentada, foi condenada a 180 chibatadas por adultério.

Às vezes, a infâmia é pior: em certos países muçulmanos na África, as mulheres acusadas de adultério são apedrejadas até a morte.

Nos países muçulmanos, a mulher deve obediência absoluta a seu marido.

Ela deve aceitar que seu marido tenha várias mulheres.

Ela pode ser repudiada pelo simples capricho de seu marido.

O código da família acaba de ser reformado da Argélia.

A Argélia não é um país fundamentalista islâmico, longe disso.

Ela confronta os fundamentalistas.

E, no entanto, o novo código da família, apresentado como moderno, liberal e aberto, é preocupante.

A inferioridade da mulher é total.

Em matéria de herança, ela tem direito a metade do prêmio do homem.

Ela é obrigada a uma obediência servil.

Se o homem não tem mais o direito de fazê-la dormir na rua (o que existia até aqui), ele ainda tem o direito de repudiá-la.

E ela? Tem o direito de pedir divórcio? Sim, responde o código liberal.

Mas a mulher só tem o direito de fazer esse pedido em dois casos: enfermidade sexual do marido e ausência do marido durante um ano sem motivo.

Outra obrigação: a mulher deve ter um comportamento decente, evitar tudo que possa provocar desejo.

Essa é a justificativa do véu - pior do que isso é a burka -, que sob diferentes nomes é usado em diversas regiões: uma espécie de carapaça, uma fortaleza em meio à qual se encontra uma coisa invisível - uma mulher.

O véu tem como origem o Alcorão ou a Suna (comentários do Alcorão): "Ó profetas, digam a suas esposas, filhas e às mulheres dos fiéis para cobrir-se com seus grandes véus: elas serão reconhecidas rapidamente e evitarão ser ofendidas.

Alá é clemente e misericordioso.

" Compreende-se aqui um argumento avançado para justificar o aprisionamento do corpo feminino: trata-se de proteger as mulheres do desejo dos homens! (Perfeita hipocrisia).

A verdade é que a mulher é um ser amputado de sua identidade, um objeto, uma prisioneira, uma pessoa para sempre impura.

Ora, esse desprezo pela mulher, evidente em países islâmicos, propaga-se igualmente - por contaminação - nas sociedades laicas, de maioria cristã, como a França.

São esses os horrores que sofrem as mulheres nos países do Islã e as duas mulheres muçulmanas - a canadense e a holandesa - denunciaram.

Claro, pode-se relativizar e, por exemplo, determinar a origem profunda dessas condutas.

Todo mundo aceita que a fonte direta é o Alcorão.

Mas aí se abre uma discussão: o Alcorão enuncia regras tão selvagens? Ou será que não se trata de uma interpretação parcial do Alcorão? A essa altura começam os infinitos debates teológicos.

Um lado diz que, com certeza, tudo, incluindo o apedrejamento de mulheres adúlteras, está escrito no Alcorão.

Outras leituras, no entanto, garantem que a palavra do Alcorão foi deturpada por algumas seitas, os wahabitas, os xiitas, os sunitas e outros.

Esses debates são interessantes, mas tão sofisticados, que só especialistas na lei islâmica podem encará-los com prazer.

Outra interrogação: pode-se pensar que existem em certos países muçulmanos comunidades moderadas que respeitam um Islã mais humano, mais respeitoso com relação aos direitos das mulheres? Mais uma questão: os excessos que acabamos de enunciar são atos exclusivos dos fundamentalistas islâmicos ou de todos os fundamentalistas, sejam judeus, cristãos ou outros? Um único exemplo: o hinduísmo, essa religião tão bela, tem seus fundamentalistas tão ferozes quanto os do Islã.

Tome-se como exemplo o que se passa em Nova Délhi, Bombaim e Calcutá, onde jovens são queimadas por seus maridos porque suas famílias não pagaram o dote prometido! Todos os temas merecem discussão.

Mas, nessas matérias tão revoltantes, é saudável ser brutal: certas condutas são inaceitáveis, ponto final.

Eu acrescentaria uma observação muito importante: a batalha empreendida pelas duas jornalistas muçulmanas é digna e saudável.

Necessária.

Em compensação, a italiana Oriana Fallaci é um caso diferente.

Ela parece motivada não por sua compaixão em relação às mulheres do Islã, mas pelo ódio desenfreado que sente pelo Islã, principalmente pelos árabes.

Seus dois últimos livros, La Rabbia e L¿Orgoglio (A Ira e o Orgulho) e La Forza della Ragione (A Força da Razão) são grandes discursos.

Ela não economiza nem na vulgaridade.

Os muçulmanos são "milhões de fanáticos com rostos ameaçadores, vozes roucas, carregados de ódio bestial e que passam seu tempo de bunda para o alto rezando cinco vezes por dia ", escreve ela.

"Eles se multiplicam como ratos.

Inoculam sífilis e aids nos italianos.

Transformam os altares das igrejas em privadas", prossegue.

E faz a seguinte revelação: "Há alguma coisa nesses homens árabes que causa nojo nas mulheres de bom gosto.

" Fallaci pede guerra.

O livro La Rabbia e L¿Orgoglio se pretende um sermão dirigido aos europeus - definidos por ela como masoquistas, ingênuos e covardes.

"A Europa está se tornando a cada dia que passa uma província do Islã, uma colônia do Islã.

" Fallaci é uma das maiores jornalistas de seu país - quem leu seus artigos e livros, há 30 anos, garante que a autora tinha estilo.

Ela teve uma atitude corajosa na época do fascismo.

Atualmente, enfrenta um câncer.

O que se lamenta não é a violência.

A polêmica chama a desmedida.

É a pobreza estilística e argumentativa.

Na ânsia de gritar, ela esconde a terrível e urgente questão que colocam em termos inteligentes as duas jornalistas muçulmanas de Toronto e da Holanda: "Como lutar contra a barbárie infligida às mulheres do Islã no mundo inteiro?" Com Oriana Fallaci, as mulheres espancadas, violentadas e desprezadas desaparecem do horizonte.

Obcecada e fanática, a italiana se contenta em alardear seu desejo de reprovar o Islã, os árabes e todos os selvagens que, como na época das Grandes Invasões, giram ao redor de uma Europa "que se acovardou".