Título: Palocci vende déficit zero para empresários
Autor: Sheila D¿Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2005, Economia & Negócios, p. B3

A crise política não se refletiu até agora nos principais indicadores da economia, mas também não tem deixado espaço para a equipe econômica avançar nas reformas consideradas indispensáveis para garantir a retomada dos investimentos produtivos e sustentar o crescimento nos próximos anos - como é o caso das reformas tributária, trabalhista e uma reforma da Previdência mais profunda. Mas o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, sabe que neste momento não basta reafirmar as linhas da política econômica: austeridade nos gastos públicos e controle da inflação.

Na emergência de reforçar a musculatura da política econômica, uma proposta vem ganhando adeptos dentro e fora do governo: a do chamado déficit nominal zero, que tem como patrono o ex-ministro da Fazenda e deputado Delfim Netto (PP-SP).

Na terça-feira, um jantar em São Paulo deverá selar o apoio de empresários de peso a essa proposta.

Palocci e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, estarão nesse encontro.

O que Delfim propõe é uma idéia que deu certo na Irlanda e a transformou de prima pobre da União Européia em "tigre" econômico.

Basicamente, ele defende que o governo corte suas despesas, economizando o suficiente para pagar toda a conta de juros que incide sobre a dívida pública.

Para chegar a esse ponto, diz Delfim, não seria necessário um sacrifício muito maior do que o que já é feito atualmente.

O deputado tem afirmado que, se o governo assumir esse compromisso e conseguir convencer o mercado de que ele será cumprido, serão criadas de imediato as condições para reduzir a taxa de juros.

E, reduzindo a taxa de juros, estará atacada a fonte das maiores despesas do governo.

No fim das contas, o que parece um arrocho dramático pode ser o contrário: a saída para aumentar os investimentos tanto do setor privado quanto do governo.

A idéia conta com mais simpatizantes dentro do governo do que pode parecer.

As manifestações de apoio, porém, são comedidas porque há uma preocupação na área econômica em evitar "queimar boas idéias".

As brigas dentro do PT fazem com que propostas encabeçadas pela Fazenda ganhem, logo de cara, resistências de companheiros de partido.

Aos poucos, porém, os apoios começam a ser explicitados.

Na sexta-feira, a proposta foi elogiada pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, cotado como eventual substituto do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

O ministro Paulo Bernardo anunciou, no mesmo dia, que o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) fará um debate sobre o tema este mês.

A idéia vem sendo trabalhada por Delfim e integrantes da equipe econômica há mais tempo do que é sabido pelo público.

Suas bases foram expostas aos poucos, para testar as resistências.

O debate público começou num seminário organizado pelo Tesouro para comemorar os cinco anos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em maio.

Na ocasião, o economista Amir Khair, que foi secretário de Fazenda da Prefeitura de São Paulo na gestão de Luiza Erundina e é bem cotado no PT, criticou a política de juros altos e demonstrou com gráficos e tabelas que a redução da taxa Selic diminuiria a pressão sobre a dívida e abriria espaço para elevar gastos públicos com investimentos em áreas prioritárias.

O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, ouviu tudo com muito entusiasmo.

Khair já fez, pelo menos, mais duas apresentações do seu estudo, uma na Casa Civil e outra no Ministério das Cidades.

A proposta, porém, é polêmica.

Para cortar as despesas, Delfim propõe a redução do número de ministérios e secretarias - o que levanta resistências dos possíveis demitidos.

Mais politicamente explosiva ainda é a idéia de cortar algumas despesas obrigatórias do governo, como os gastos com educação (que, pela Constituição, devem absorver 18% de tudo o que a União arrecada com impostos).

Há consenso na equipe econômica de que é preciso evitar o encaminhamento de assuntos polêmicos nos próximos meses.

"É besteira querer fazer qualquer coisa nova no Congresso.

No entanto, compete ao governo mostrar resultado e fazer mais do que a política do feijão com arroz", diz Khair.

Há, ainda, ressalvas à idéia de o governo formalizar o compromisso de economizar o suficiente para pagar toda a conta de juros.

Num surto de inflação, o governo teria de elevar os juros e precisaria também apertar ainda mais os outros gastos para se manter dentro da meta de zerar o déficit nominal.