Título: 'Você e eu tambén vamos querer ter esse computador'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2005, Economia & Negócios, p. B6

Lourival Sant¿Anna Enviado especial BRASÍLIA A proeza do Media Lab de fazer um laptop de US$ 100, para ser distribuído em grande escala pelos governos a todos os alunos da rede pública, é possível porque se trata de uma organização sem fins lucrativos, que não tem de dar satisfação a acionistas nem impedir que a venda maciça de produtos mais baratos "canibalize" o mercado e achate a margem de lucro. A explicação é do diretor do laboratório de mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Nicholas Negroponte.

Além disso, diz ele, a operação não envolve venda, distribuição e marketing, que consomem metade dos custos.

E há uma terceira razão, "um pouco arrogante": eles acharam um jeito de fazer uma tela plana muito mais barata que a indústria convencional, e vão patenteá-la em benefício do projeto.

"Você e eu também vamos querer ter esse computador", diz Negroponte, que prevê a queda nos preços depois que seu laptop se tornar realidade.

Negroponte saiu animado das reuniões com o presidente Lula e com os ministros das Comunicações, da Educação e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior: "A reação do governo brasileiro ultrapassou minhas expectativas.

" Lula mandou criar um grupo de trabalho para elaborar, em 29 dias, um plano de viabilidade do projeto-piloto, que envolve a fabricação no Brasil e distribuição gratuita de 1 milhão de laptops.

Nesse primeiro ano, o plano é abranger cinco ou seis países, e um total de 6 milhões de crianças.

Dessas, 3 milhões estariam na China, que também deve fabricar os laptops.

Os outros 2 milhões, em países que não produzirão a máquina, são um mercado potencial de exportação, que em 18 meses se multiplicaria para entre 100 milhões e 200 milhões, calcula ele.

Depois de dois dias de reuniões em Brasília, Negroponte, 61 anos, autor de Ser Digital (1995), um marco na literatura sobre a revolução da informática e da internet, concedeu esta entrevista ao Estado.

Se vocês podem, por que a indústria não pode fabricar um laptop por US$ 100?

Por três razões.

Como estamos entregando diretamente para as escolas, via governos, não temos os custos de distribuição, marketing e vendas, que tipicamente representam 50% do custo total.

Segundo, não temos acionistas, portanto todo desenvolvimento técnico que alcançamos pode ser usado em benefício do usuário final.

A terceira razão, que é um pouco arrogante, é que achamos que nós podemos fazer uma tela muito mais barata.

Vamos licenciar isso, vender para companhias privadas e empregar esse dinheiro no projeto.

Na indústria convencional, o progresso tecnológico não resulta na queda do preço?

Eles têm de equilibrar o tamanho do mercado e a margem de lucro.

Mesmo que o mercado aumente com a diminuição do preço, eles não podem contar com o volume para compensar a diferença na redução da margem de lucro.

Volume tende a ser encarado como commodity, talvez a palavra mais suja na sala de reuniões de um conselho de administração.

Quando a ouvem, correm para o outro lado.

Sei disso por meu papel de diretor na Motorola e em outras companhias.

O que eles procuram fazer é criar novas funcionalidades, melhorar o design, a qualidade.

Os ganhos de escala não compensam a diminuição da margem?

Eles precisam tomar cuidado para que esses novos aparelhos, mais baratos, não canibalizem o mercado que eles já têm.

É uma questão muito delicada.

Eles têm uma responsabilidade legal e fiduciária frente a seus acionistas, enquanto a nossa responsabilidade é perante o usuário final.

É uma diferença muito importante.

Como a indústria reagirá ao seu laptop de US$ 100?

Ela já está reagindo.

Aqueles que advogam a fonte aberta (do sistema operacional Linux) estão muito entusiasmados, e os que a criticam estão muito negativos.

A indústria de bens de consumo eletrônicos está nervosa porque muitos dos grandes players estão tentando se tornar nomes de marcas e subir de patamar.

E isso (o laptop de US$ 100) significa descer.

Já a indústria do laptop está muito desconfortável, porque a funcionalidade que teremos será tão boa que você e eu também vamos querer ter esse computador.

Pelo menos na segunda e na terceira gerações (entre 2007 e 2008).

Ele poderá ser vendido, no futuro?

Esperamos que, nos primeiros dois ou três anos, ele não esteja à venda no mercado.

Mas terceiros comprarão a licença para desenvolver a tecnologia.

E os preços no mercado cairiam?

Acho que é uma tendência natural.

E a Microsoft, como está reagindo?

Tenho conversado com o Bill (Gates) sobre isso.

Ele acredita que a questão central em países em desenvolvimento é a conectividade, e está focado nela.

Eles têm feito acordos muito interessantes com países como o México, para fornecer Windows a custo baixo.

Mas isso ainda não é fonte aberta.

Não estou criticando o Bill.

Quando se adota a fonte aberta, como fizemos, é um fenômeno diferente.

Qual é o mercado potencial de exportação, caso o Brasil venha a produzir esse laptop?

A primeira versão da máquina, que sairá no fim do ano que vem, serão 1 milhão no Brasil e outros 2 milhões noutros países.

Mas, 18 meses mais tarde, serão entre 100 milhões e 200 milhões de máquinas.

O Brasil só precisa de 30 milhões (número de alunos na rede pública).

Se o projeto realmente decolar, estamos falando de um mercado de exportação pelo menos cinco vezes o mercado interno.

O que não sei é o custo de entrar e sair do Brasil com produtos como painéis de telas planas, que não são fabricados aqui.

Temos de estudar isso em seguida.

A maior parte é feita em Taiwan e no Japão.

E uma parte também está sendo feita na China.

Não dá tempo para adquirir a tecnologia para fabricá-los aqui.

Não na primeira geração, mas na segunda, terceira, quarta.

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O Brasil não fez algo inovador com urnas eletrônicas?

Fez.

Então, já há um precedente.

Que mapa o senhor tem na cabeça?

Que países devem ser atingidos?

É preciso encontrar uma forma de atingir todos os países.

No mundo, há cerca de 1 bilhão de crianças no ensino fundamental e médio.

Queremos atender a todas elas em, digamos, cinco anos.

É muito difícil.

Estamos tentando começar imediatamente com cinco países - na África, Oriente Médio, Sudeste Asiático, América Latina e nos Estados Unidos.

Muitos desses países não têm condições de produzir localmente.

Só haverá produção em dois ou três lugares do mundo.

Os Estados Unidos serão um deles?

Não necessariamente.

O Brasil será um deles, a China será outro.

O senhor imagina uma única fábrica estatal produzindo tudo, ou várias empresas privadas participando?

Imagino uma ONG - é isso que temos de desenhar nas próximas três semanas -, que não terá mais de 20 pessoas, organizando a montagem dos computadores, encomendando de fabricantes contratados e inspecionando a produção.

Temos de estudar agora cuidadosamente quais fabricantes no Brasil são candidatos.

Três semanas não é muito tempo.

Não, mas só precisamos estabelecer agora modelos e pontos de referência.

Como têm sido as conversas com os chineses?

Vimos conversando com integrantes do mais alto nível do governo central, há um ano.

Estive lá pelo menos dez vezes.

Na China, há 220 milhões de crianças nas escolas públicas primárias e secundárias.

Estamos falando de um projeto-piloto com 3 milhões de crianças.

E com a Índia?

Conversei bastante com o governo indiano.

A Índia tem sua própria iniciativa, com um computador de baixo custo.

Eles vêem isso como concorrência, o que é uma pena, porque o nosso não é um computador, mas um laptop.

Para pequenos negócios, o laptop não é necessário.

Mas, para estudantes, precisa ser como um livro, que eles possam trazer para a escola e levar para casa, ir para a cama com ele, usá-lo em todos os lugares.

Vocês já fizeram experiências assim?

Sim, em muitos lugares.

Começamos no Camboja, com um projeto pessoal, no fim dos anos 90, quando o dinheiro estava dando em penca.

Minha mulher e eu construímos duas escolas em vilarejos muito rurais, no norte do país, perto da fronteira entre a Tailândia e o Laos, num território do Khmer Vermelho.

Em 1995, as pessoas não iam lá por causa das minas.

Fui para lá porque conhecia Thaksin Shinawatra, que mais tarde se tornou primeiro-ministro da Tailândia, mas na época era um executivo da indústria de telecomunicações e tinha satélites.

Consegui que a companhia dele nos desse duas antenas de satélite e acesso grátis.

Conectamos as escolas.

Eu queria que as crianças levassem os computadores para casa.

Não fazia sentido pôr desktops e fechar as escolas.

Tinham de ser laptops.

Comprei 30 laptops e, depois, mais 30.

Comecei com meu próprio dinheiro, portanto não foi uma experiência grande.

Aqui, quando vão à escola com um tênis bacana, as crianças são freqüentemente roubadas.

O risco não será muito maior, com um laptop?

Em primeiro lugar, são US$ 100.

Não é tão caro.

Ele não terá valor algum no varejo.

Quem o roubar terá de usá-lo no segredo de sua casa, porque ser visto com ele será como um estigma, como roubar da Igreja ou da Cruz Vermelha.

Você pode roubar um kit de primeiros socorros da Cruz Vermelha.

Mas todos vão ver o selo da Cruz Vermelha e saberão que você a roubou.

Conectar-se à internet custa caro.

Encontraremos formas de torná-lo barato.

Por meio da tecnologia viral, que está pronta para uso, os computadores criarão uma rede entre eles.

Haverá pontos de acesso nas escolas, que conectarão uma criança à outra e todas a um servidor.

Se a criança estiver a 500 metros de outra, estará conectada.

A propósito, todas as crianças terão de manter seus laptops ligados o tempo todo.

Para isso, terá de haver eletricidade, baterias, energia à corda ou algo do gênero.

Mas também será necessária parceria com as empresas de telecomunicações?

Sim.

Começamos a conversar sobre isso num jantar, na segunda-feira, com executivos da Telefônica, da Telemar e da Brasil Telecom.

A reação do governo brasileiro atingiu suas expectativas?

Ultrapassou minhas expectativas.

Eu esperava que o presidente ficasse bastante entusiasmado, porque ele sentiria que isso é muito bom para o país.

O que eu não esperava era uma reação tão favorável dos ministérios das Comunicações, da Educação e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Normalmente, os ministros da Educação ficam tão assoberbados com professores, sindicatos, problemas, que não pensam muito grande.

Esse ministro (Tarso Genro) é um grande pensador.

No fim, o sr.

poderá ter de convencer o ministro da Fazenda, que tem a chave do cofre.

Sim, mas, como não estamos exportando dinheiro para o MIT ou para fora do país, acho que não será muito difícil.