Título: O sertão vai virar produtor de ferro
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2005, Economia & Negócios, p. B12

Certo dia, Cícero Aleixo Paulino, 40 anos, rezou. Quieto, num canto da roça de feijão, pediu o que os homens do semi-árido nordestino mais desejam: trabalho fixo, renda certa, um destino ao amanhecer.

Há nove meses, Paulino sorri.

Já pagou a promessa a São João, o intercessor pelo que denomina sua "graça".

São João de Belmonte, município a 460 quilômetros a Oeste do Recife (PE), vive momentos de euforia.

A graça de Paulino tem nome: "o Forno".

A torre de ferro, aço e tijolo refratário volta a operar e a reacender esperanças.

O forno siderúrgico será religado até o fim do mês, 15 anos depois de expelir a última gota de ferro gusa.

A retomada da produção de ferro gusa na região do semi-árido é parte de um processo de regionalização.

Foi para fugir de Minas Gerais que ex-sócios da Siderlagos, de Sete Lagoas (MG), decidiram apostar em Pernambuco.

A demanda chinesa sustentará o emprego de Paulino e de outros companheiros que hoje vagam pela região de São José do Belmonte e Serra Talhada.

A produção de ferro gusa deve atingir 330 toneladas por dia até o fim do ano.

Para tanto, serão contratados 250 trabalhadores, entre a siderúrgica e a mineração, também em Belmonte.

Ajudarão a produzir 10 mil toneladas de ferro gusa por mês.

Produção é pequena se comparada aos volumes de Minas Gerais, mas suficiente para mudar a vida de muita gente.

Com os R$ 550 reais por mês, Paulino retomou a condição de chefe de família.

Sem emprego, viu toda a família ser sustentada pelo sogro.

"O cabra acorda de manhã sem ter para onde ir.

Rapaz, não tem vida mais triste do que isso", narra.

João Batista Cordeiro de Souza, 37 anos, o Preá, foi agricultor, como Paulino.

E, também como Paulino, se prepara para reassumir a posição de chefe de família.

Não foram poucos os lamentos quando viu a mulher e os três filhos saírem de São João do Belmonte em direção à Paraíba, onde viviam sob a expensas de seu sogro.

Preá vai trazê-los de volta.

A renda incerta de R$ 30 por semana foi multiplicada com a siderúrgica.

Agora, são R$ 350 fixos, mais adicionais e horas extras.

Os R$ 500 mensais gerados pelo comércio do ferro gusa, seja no Brasil seja no exterior, serão mais do que suficientes para recuperar o sorriso e os filhos.

ARRENDAMENTO A Siderúrgica de Pernambuco (Cosiper) arrendou a fábrica da Fergusa Mineração Afonso R.

Lima, de propriedade de Sebastião Rodrigues, diretor-presidente da organização.

"A retomada da produção foi um sonho que acalentei durante muito tempo", afirma Rodrigues.

O investimento para recuperar a estrutura foi de US$ 2 milhões.

A primeira leva de ferro gusa deve sair do forno até o fim deste mês.

Além da Gerdau Açonorte, instalada à margem da Rodovia Luiz Gonzaga, a BR 232, em Recife, o destino deverá ser a exportação para a China.

"Não vamos depender exclusivamente de clientes locais.

Boa parte das 10 mil toneladas de gusa será exportada.

Isso poderá ocorrer através do Porto de Suape", explica Vanderlei Lúcio dos Reis, sócio do empreendimento e gerente-financeiro do projeto.

Reis comandará o recrutamento do pessoal da produção.

Não será apenas a siderúrgica que deve gerar emprego.

São José do Belmonte tem reserva de minério de ferro que voltará a ser usada na produção do gusa, aliás, outra fonte de emprego.

É minério com teores inferiores de ferro, entre 41% e 55%.

Pelo menos 80% do minério usado pela Cosiper virá do Rio Grande do Norte.

Um acordo com a Mhag prevê a compra de 10 mil toneladas por mês.

O transporte será por caminhão, num trajeto de 430 quilômetros.