Título: Crise leva desânimo ao arraial de Lula
Autor: Christiane Samarco e Tânia Monteiro
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/07/2005, Nacional, p. A6

Foi um perfeito retrato da crise a festa junina promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na noite de sábado na Granja do Torto. O clima era de constrangimento e preocupação, bem diferente da euforia do arraial do ano passado. Dos 35 ministros, foram só 17, além do vice-presidente José Alencar. Desta vez, não havia sanfona nem cantador, e muito menos se dançou a quadrilha. Até o chapéu de palha o anfitrião dispensou, apesar de estar vestido a caráter. "Ei, meus amigos, a vida é dura", disse o presidente, ao saudar alguns convidados.

Segundo um amigo do presidente que passou boa parte da festa observando o anfitrião, Lula parecia empenhado em disfarçar sua apreensão. "Acontece que isso tem um limite e a tristeza vazou", contou o convidado, ao apontar o contraste com o Lula risonho e saltitante do forró de 2004, quando o presidente encharcou a camisa de tanto dançar.

Houve quem se esforçasse ontem em assegurar que a festa tinha sido animada. "Não era clima de enterro", desconversou, por exemplo, o ministro de Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. Mas ao puxar da memória os detalhes do encontrou ele acabou admitindo: "É, estávamos todos preocupados."

O padre José Carlos Toffoli, chamado a fazer uma pregação, também não deixou ninguém esquecer das denúncias de corrupção que acuam o governo. Ao falar, citou trecho da Bíblia segundo o qual "é preciso agir com retidão".

Lula, por sua vez, evitou falar sobre temas políticos - e foi poupado deles pelos convidados. Só que a crise acabou sendo o tema dominante das conversas. "Não tinha como ser diferente. Hoje a crise é o assunto do Brasil", comentou outro convidado. A primeira-dama, Marisa Letícia, passou o tempo todo ao lado do marido. Bastava Lula se aproximar de uma roda de políticos que sua mulher aparecia e puxava os convidados para dançar. Mas o máximo que se viu na pista de dança foram seis casais simultaneamente, embora o próprio presidente tenha se esforçado e ensaiado também uns passos de forró.

Houve quem percebesse que, ao contrário do ano passado, nenhum líder partidário, deputado ou senador deu as caras na Granja do Torto neste ano.

Um dos mais animados era o ministro das Cidades, Olívio Dutra, que apareceu usando bombachas e uma boina branca e dançou a noite toda.

Quando o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, chegou, já perto das 22 horas, chamou a atenção pelo traje. Embora o convite determinasse que todos deveriam ir vestidos a caráter, ele usava roupa esporte branca.

Assim que Palocci foi visto por um grupo de ministros, um deles não deixou por menos: "Você veio com roupa normal. Já sei por que: ele não é o caipira não, gente. É o dono da fazenda." Foi um dos raros momentos de descontração da festa organizada para desanuviar os ânimos do governo.

"No ano passado, a alegria foi maior. Teve muita gente, muita dança. Mas, neste ano, a decoração estava mais bonita, muito mais produzida, com muitos balões e todo o caminho da procissão enfeitado", disse um dos presentes. "Só que faltou o principal: a tradicional animação das festas juninas."

Os convidados começaram a chegar pouco depois das 18 horas. Quando Lula apareceu, passava um pouco das 20 horas. Em poucos instantes, seu rosto já exibia um ar de preocupação. "Ele estava muito triste", observou outro convidado.

Entre os ausentes, figuravam a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, o do Planejamento, Paulo Bernardo, e o da Saúde, Humberto Costa. Quem marcou presença foi o jornalista Ricardo Kotscho, ex-secretário de Imprensa do Palácio do Planalto. Ele viajou de São Paulo especialmente para participar da festa e mostrou-se preocupado com os rumos da crise política.