Título: Hospital boicota plástica pelo SUS
Autor: Ricardo Westin
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/07/2005, Vida&, p. A13

Em fevereiro, os doentes brasileiros de aids conseguiram mais uma grande conquista. O Ministério da Saúde baixou uma portaria com instruções para que eles pudessem se submeter a cirurgias plásticas gratuitas, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), para corrigir deformações no corpo decorrentes dos remédios anti-retrovirais. O ministério esperava cadastrar, em seis meses, 60 unidades de saúde em todo o País. Passados quatro meses, porém, somente um hospital manifestou formalmente interesse em fazer as cirurgias plásticas. São dois os problemas que estão frustrando as expectativas de quem sofre os efeitos colaterais dos remédios, dizem hospitais e entidades de combate à aids. O primeiro são as exigências de profissionais e de instalações estabelecidas pela portaria - exageradas para unidades da rede pública de saúde. O segundo problema é o dinheiro que seria repassado aos hospitais - insuficiente para cobrir os gastos das cirurgias.

Os remédios anti-retrovirais podem alterar a distribuição da gordura pelo corpo. Há um aumento de gordura na barriga, no peito, nas costas e no pescoço e uma diminuição nos braços, nas pernas, nas nádegas e no rosto. Conhecido como lipodistrofia, o problema, por ser visível, leva muitos doentes, desesperados, a simplesmente parar o tratamento. Foi isso que motivou o governo a incluir as plásticas na lista do procedimentos pagos pelo SUS. Elas não são cobertas pelos planos particulares de saúde.

As operações que os hospitais conveniados poderiam fazer são a lipoaspiração de giba (corcunda) e de abdômen, a redução de mama (em mulheres e homens), o enxerto e a reconstrução de glúteo e o preenchimento facial (com gordura ou polimetilmetacrilato).

Para se tornarem uma "unidade de assistência em alta complexidade no tratamento da lipodistrofia do portador de HIV/aids", diz a portaria, os hospitais precisam ter equipe de cirurgia plástica, infectologia, anestesiologia, medicina intensiva em pós-operatório e dermatologia, além de profissionais de psicologia clínica, assistência social, fisioterapia, nutrição, farmácia e hemoterapia.

"São requisitos excessivos", avalia Jorge Beloqui, membro da organização não-governamental Grupo de Incentivo à Vida (GIV). Ele diz que a operação de preenchimento facial não precisa ter uma equipe médica tão grande quanto a de lipoaspiração, que é bem mais complexo. Tamanha exigência desmotiva hospitais que poderiam fazer só o preenchimento facial. "Não é um procedimento de alta complexidade. Pode ser feito num serviço ambulatorial."

Para a operação no rosto, os hospitais receberiam do governo cerca de R$ 270. Para as demais, cerca de R$ 830. Essas cifras incluem os honorários médicos e hospitalares. "Não temos interesse em fazer essas operações porque a tabela do SUS simplesmente não cobre os procedimentos", diz a irmã Rosane Ghedin, presidente do Hospital Santa Marcelina, que atende pelo SUS e é um dos quatro maiores da cidade de São Paulo. "O hospital é filantrópico. Não temos interesse em ganhar dinheiro. Mas não podemos sair no prejuízo." Segundo ela, deveria ser o triplo.

Uma operação de preenchimento facial numa clínica particular custa muito mais que os R$ 270 que o governo pretende pagar: de R$ 2 mil a R$ 3 mil, segundo o cirurgião plástico Fausto Viterbo, regente do Departamento de Estética da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. "Os valores são muito baixos", diz. Ele é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu, cujo Hospital das Clínicas está preparando a documentação para poder realizar as cirurgias pelo SUS. "Vamos fazer isso porque o nosso interesse é universitário."