Título: Deflação reflete freada na economia
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/07/2005, Economia & Negócios, p. B3

A freada no ritmo de produção e vendas da indústria e do comércio ocorrida no primeiro semestre fica evidente no comportamento dos preços. No mês passado, importantes índices de preços apresentaram deflação, como o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), e o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O IPC-Fipe caiu 0,15% na terceira quadrissemana de junho e o IGP-M de junho teve deflação de 0,44%. É bem verdade que boa parte do recuo se deve à queda nas cotações dos alimentos, que reverteram a alta no início do ano por problemas climáticos. Mas há insumos industriais importantes, cujos preços recuaram no atacado, como o ferro para fundição, que caiu 7,98% no Índice de Preços por Atacado (IPA) de junho, e o cimento, matéria-prima básica da construção civil, que teve recuo de 2,77% no mesmo período, segundo pesquisa da FGV.

"A deflação reflete a desaceleração do ritmo de atividade", afirma o diretor-executivo da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), Antonio Carlos Borges. O economista argumenta que, como o governo não tem condições de segurar os preços administrados, e se impôs uma meta de inflação de 4,5% em 2006 e 2007, ele precisa manter os juros elevados por um longo período de tempo. Isso acaba provocando efeitos no câmbio e nos índices de preços.

A política monetária apertada também inibe a manutenção de estoques elevados. Por causa disso, as lojas estão facilitando ao máximo as vendas. Esse, por exemplo, é o caso dos materiais de construção, um dos setores que fecharam o primeiro semestre com desempenho aquém do esperado.

Segundo o diretor da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), Roberto Zullino, no primeiro quadrimestre deste ano as vendas anualizadas cresceram entre 3% e 4% em relação ao mesmo período de 2004 e abaixo da projeção do setor, que era de 6%.

Esse descompasso explica, em parte, as megapromoções que já começaram a aparecer no comércio. Na virada do semestre, a Dicico, por exemplo, revenda de materiais de construção, iniciou um "feirão das fábricas". São mais de 1,5 mil itens, de cimento a materiais de acabamento, com descontos de até 50% sobre o preços de fábrica. Isso significa que o desconto obtido pelo varejista junto às indústrias foi ainda maior.

"O excesso de estoques nas indústrias facilitou as negociações", afirma o diretor de Marketing da companhia, Carlos Roberto Corazzin. Ele argumenta que a rede ampliou entre 12% e 15% as vendas no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2004, levando-se em conta as mesmas lojas. "Mas o mercado diz que o desempenho do primeiro semestre foi mais fraco."

Apesar de as indústrias comemorarem as vendas de TVs no primeiro semestre, as lojas especializadas em eletrodomésticos, eletrônicos e móveis não avaliam o mercado positivamente. As Lojas Cem, por exemplo, que projetavam crescimento real de 5%, considerando o mesmo número de lojas, conseguiram elevar em 3% as vendas entre janeiro e junho deste ano ante o mesmo período de 2004.

"A desaceleração se acentuou a partir da segunda quinzena de abril", conta o supervisor-geral Valdemir Colleone. Na sua avaliação, o consumidor está inseguro e com pouco fôlego financeiro para comprar a crédito. Tanto é que os números da inadimplência mostram esse esgotamento.

Pesquisa da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) revela que a inadimplência líquida do crediário, que são as prestações atrasadas acima de 30 dias comparadas com as vendas de três meses anteriores, atingiu em junho 5,1%, a maior marca dos dois últimos anos para esse período. Em junho de 2004, esse indicador estava em 4,3% e em 2003, 4,9%.

A inadimplência líquida no primeiro semestre fechou em 6,4%, acima dos 5,7% do mesmo período de 2004. "É um sinal de alerta", diz o economista da ACSP, Emílio Alfieri. Também na sua opinião há um esgotamento da capacidade de endividamento do consumidor. "Apesar da desaceleração, dificilmente vamos entrar em recessão. Mas o ano está recheado de incertezas. Agora o problema é político."