Título: Mais uma tentativa para negociar acordo agrícola
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/07/2005, Economia & Negócios, p. B6

As pendências da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) levarão ministros de 20 países, entre os quais o Brasil, a se reunirem nos dias 7 e 8 de julho em Qingdao, na China. Trata-se de mais um esforço para que as negociações, sobretudo na espinhosa esfera da agricultura, não degringolem até dezembro, quando os 148 países terão finalmente de acertar em detalhes os objetivos do acordo agrícola. Crucial para a Rodada Doha, a reunião ministerial da OMC de Hong Kong definirá se as negociações poderão ser fechadas em 2006 ou se jogará nelas uma pá de cal. Depois dos resultados favoráveis neste ano nas reuniões em Davos (Suíça), Mombaça (Quênia) e Paris (França), o Brasil e seus associados no Grupo dos 20 (G-20) terão a incumbência em Qingdao de convencer países reticentes ao tema agrícola, principalmente os EUA, a avançar mais um passo.

Criado em meados de 2003 por iniciativa brasileira, o G-20 reúne países em desenvolvimento empenhados em alcançar os objetivos mais ambiciosos de redução de subsídios e de abertura de mercados agrícolas definidos para a Rodada Doha.

A tarefa mais difícil em Qingdao será convencer os Estados Unidos, a União Européia e outros países que se valem largamente de subvenções agrícolas a aceitar regras para os subsídios domésticos classificados na "caixa azul". Tratam-se dos pagamentos diretos do governo ao agricultor, mas com limitação para a produção. Esses mecanismos permitem a concessão de subsídios para quem não produzir e, portanto, tendem a evitar a superoferta de produtos e a queda de preços e de renda no setor.

TOCAR UM NERVO

Segundo Luis Claudio Carmona, coordenador-geral de Assuntos Multilaterais da Secretaria de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, discutir esse ponto será o mesmo que tocar um nervo dos Estados Unidos. Até o momento, os subsídios da "caixa azul" não foram disciplinados pela OMC, apesar de serem considerados distorcivos ao comércio, e Washington não se dispõe a concordar com novas regras. O G-20 já pôs na mesa de negociações pelo menos sete sugestões de disciplinas.

Embora não se valham das subvenções da "caixa azul", os Estados Unidos pressionam para incluir nesse pacote outra modalidade de subsídios, os chamados anticíclicos. Tratam-se de compensações aos agricultores em casos de queda nos preços internacionais dos seus produtos, mas sem limites de valores. Para atingirem esse objetivo, terão obrigatoriamente de mudar as regras de sua política agrícola, a Farm Bill.

"Os Estados Unidos não se mostram nem um pouco dispostos a negociar esse ponto. A União Européia, ao contrário, parece mais confortável para lidar com o tema porque reformulou a Política Agrícola Comum (PAC) no ano passado", afirmou Carmona, ao referir-se ao pacote de subsídios e de proteção garantido pela União Européia a seus agropecuaristas desde 1962.

O desafio de Qingdao será avançar ao máximo esse tópico agrícola. Até dezembro, outras pequenas reuniões ministeriais deverão ocorrer, em uma tentativa de aproximar as posições entre os 148 membros da OMC sobre todos os temas nevrálgicos da Rodada Doha e de impedir o fracasso das negociações em Hong Kong. Especialistas do Itamaraty consideram que, até dezembro, a União Européia criará tantos problemas nas discussões agrícolas e industriais quanto os Estados Unidos neste momento.

De um lado, dificilmente Bruxelas se empenhará em apoiar propostas agrícolas que resultarão em uma segunda reforma da PAC. De outro, a União Européia vai cobrar dos Estados Unidos os compromissos de eliminação de subsídios à exportação e de redução do apoio doméstico.

Até esses dois tópicos, a briga tenderá a envolver diretamente esses dois pesos pesados. Dos demais membros da OMC, os europeus exigirão a redução de tarifas de importações de bens industriais e acesso para serviços - algo a que o Brasil resiste.