Título: Na periferia, ONGs têm trabalho duro
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2005, Metrópole, p. C1

O Estatuto do Desarmamento e ações oficiais não foram os únicos fatores que reduziram a criminalidade em São Paulo. Na Cidade Tiradentes, zona leste, programas sociais desenvolvidas nos últimos anos contribuíram para a queda significativa da violência. "Há seis anos, me acordavam de madrugada para dizer que algum aluno do nosso projeto tinha morrido. Antes aqui no bairro morriam uns três jovens por dia. Hoje não é mais assim", diz Maria da Graça dos Reis, fundadora da Entidade Ação Comunitária. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, só em Cidade Tiradentes o número de homicídios caiu de 107 em 2000 para 30 em 2004. "Ainda temos muito o que fazer. O tráfico é mais atraente que os projetos." Graça acredita que se a entidade tivesse uma quadra poliesportiva e uma piscina, por exemplo, os jovens se interessariam mais pelas aulas.

A Ação Comunitária foi criada em 1984 como lugar para as mães deixarem os filhos enquanto estivessem no trabalho. "O problema era que os projetos só atendiam adolescentes até 14 anos. Depois disso, eles iam para as ruas e eram adotados pelos traficantes", diz Graça. O problema foi resolvido após a concretização de convênios com órgãos federais, estaduais e municipais, o que possibilitou a extensão de projetos para jovens com até 24 anos.

Mesmo assim, de acordo com o diretor da entidade, Fabiano Tiezzi, a facilidade do mundo do crime ainda atrai muitas crianças. "Tive aluno que ganhou mais de R$ 50,00 só para carregar a arma do traficante." Para minimizar o apelo financeiro, a entidade resolveu contratar ex-alunos dos projetos para trabalhar como monitores. Segundo Tiezzi, essa é uma forma de mostrar o bom exemplo de quem venceu sem entrar para a criminalidade.

O trabalho com as famílias também é fator importante para afastar as crianças do crime. Desde os 4 anos, a jovem Kelly Roberta Afonso Costa, hoje com 24 anos, freqüenta o núcleo socioeducativo da entidade. "Minha mãe me levava para visitar um tio na cadeia e ver como não valia a pena entrar para o crime." Atualmente, a jovem trabalha em uma creche na Cidade Tiradentes.

A força da família foi ainda mais importante quando uma prima de Kelly foi presa. "Ela guardava algumas armas em casa", diz. Após deixar o presídio e contando com a ajuda do pessoal do Ação Comunitária, a prima da jovem conseguiu um emprego na creche onde Kelly trabalha. Ela sustenta os cinco filhos com o dinheiro do salário e o auxílio do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) .