Título: Próximo passo, retaliar
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2005, Notas & Informações, p. A3

O governo brasileiro decidiu pedir à Organização Mundial do Comércio (OMC) autorização para retaliar os Estados Unidos por manterem subsídios ilegais a produtores e exportadores de algodão. Os subsídios foram condenados em processo iniciado em 2002 pelo Brasil e apoiado por vários países pobres. Em sua próxima reunião, no dia 15, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC deverá examinar a retaliação pedida pelo Brasil. A eliminação das subvenções ilegais deveria ter ocorrido no dia 1.º de julho. Duas horas antes do fim do prazo, o governo americano anunciou mudanças em seus programas de garantia de crédito considerados ilegais. Mas nada foi prometido em relação ao chamado "Step 2" (Segundo Passo), um programa de subsídios que possibilita o uso do algodão americano, mais caro que o do mercado internacional, por processadores e exportadores. O governo brasileiro também considerou insatisfatória a anunciada mudança das garantias de crédito. A negligência em relação ao "Step 2" não resultou de um mal-entendido nem de uma distração de proporções incomuns. O governo americano simplesmente deixou de cumprir, deliberadamente, uma parte do que foi determinado pelos juízes da OMC, apesar de ter tido um prazo para tomar as medidas necessárias. O secretário de Agricultura dos Estados Unidos, Mike Johanns, disse que o governo "continua a avaliar outros passos para responder à decisão da OMC", reconhecendo, portanto, que as mudanças prometidas na sexta-feira são insuficientes.

Richard Mills, porta-voz do Representante dos Estados Unidos para Comércio Exterior (USTR), disse que o Executivo "está avaliando os passos que pode tomar, incluindo contato com o Congresso para possível ação legislativa", e que as mudanças serão discutidas com o Brasil. Também essa declaração confirma o reconhecimento de que a resposta americana às determinações da OMC foi insuficiente. Sendo necessária uma alteração legal, o governo americano teria maior dificuldade para cuidar do problema. Esse fato, no entanto, seria um motivo a mais para que as autoridades tivessem começado a cuidar do problema bem antes.

Se o problema não for resolvido de forma satisfatória, restará ao Brasil apelar para a retaliação, lembrou Mills - uma decisão já tomada, de fato, pela diplomacia brasileira.

A retaliação, embora seja a solução jurídica extrema, é normalmente a pior saída. De modo geral, é evitada pelos vários governos vencedores de processos na OMC, porque aumenta a animosidade, atrapalha o comércio e não resolve o problema que motivou a queixa original. Além disso, a retaliação é um remédio pouco eficaz, quando aplicado contra uma economia muito poderosa - nesse caso, a maior e mais poderosa do mundo.

Retaliações contra os Estados Unidos têm sido autorizadas pela OMC como desdobramento de outros processos. Isso não tem contribuído, no entanto, para que a economia americana se torne menos protecionista e seu governo mais disposto a cumprir normas internacionais e a acatar decisões de juízes da OMC.

A pouca disposição americana de cumprir essa determinação é um sinal desestimulante, num momento em que governos de todo o mundo se esforçam para levar à conclusão, até o próximo ano, a Rodada Doha de negociações comerciais. Mesmo que haja acordo sobre os temas principais, já se saberá que a liberalização negociada pelos 148 membros da OMC valerá somente quando os governos das maiores potências decidirem acatar as normas.

Essa preocupação é válida principalmente em relação às autoridades americanas, habituadas a legislar como se as suas leis valessem para o mundo e nem sempre dispostas a aceitar a disciplina multilateral.

Os subsídios americanos a produtores e exportadores de algodão prejudicam não só o Brasil e outras economias grandes e médias envolvidas nesse mercado, mas também grande número de países muito pobres. Os produtores da África Central e da África Ocidental tiveram na safra 2001-2002 perdas estimadas em US$ 300 milhões pela Oxfam, uma organização não-governamental que tem acompanhado atentamente os efeitos sociais das condições de comércio.