Título: Live 8 não atrai interesse no Quênia
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2005, Internacional, p. A13

NAIRÓBI - Ms Dynamite ainda estava cantando para multidões em Londres mais ou menos no mesmo momento em que a escuridão caía sobre Nairóbi, no sábado, mas no bar ao ar livre do New Stanley Hotel - que parecia ser o único lugar na cidade a exibir trechos do Live 8 - ninguém estava prestando muita atenção no show. "Concertos em dez países", dizia a legenda da TV CNN, enquanto os hóspedes do hotel, uma relíquia dos tempos coloniais, bebiam cerveja Tusker e folheavam os jornais. Os aparelhos de televisão estavam mudos. "Concertos querem erradicar a pobreza africana", acrescentava a legenda - e, se você tivesse acabado de chegar do espaço, talvez fosse desculpado por acreditar que aquela tarefa fosse tão simples quanto o canal de notícias fazia crer.

Em toda a capital queniana, o nível de interesse no "maior show de todos os tempos" era mais ou menos o mesmo - resultado, aparentemente, de uma falta de gosto pelo pop-rock britânico e americano.

Certamente não era falta de engajamento. "O problema são os políticos, e me refiro aos políticos do Quênia", afirmou Silas Majale, atendente, sentado ao sol do meio-dia na grama rala e solo avermelhado do Parque Uhuru, no centro de Nairóbi.

Ali, cerca de mil pessoas estavam reunidas para um comício. A maior parte estava lá para celebrar o Dia da Cooperação, um festival organizado pelos sindicatos de trabalhadores das empresas de crédito. Mas o parque parecia ter sido ocupado também pela campanha internacional Faça a Pobreza Desaparecer. Um representante do Dia da Cooperativa anunciou, através do sistema de som, que as campanhas decidiram cooperar.

"Os políticos são egoístas, corruptos e talvez lhes falte patriotismo", prosseguiu Majale, em um refrão reproduzido pela cidade. "Você é da Grã-Bretanha. O que eu diria para Tony Blair é: tenha certeza, quando houver dinheiro, de que a ajuda chegue às pessoas certas. Não deveríamos depender de doações, sabe? Pode-se dizer que o Quênia é um país abençoado. Podemos depender de nós mesmos. Mas, por causa dessa falta de patriotismo, temos de pedir lá fora. E não ficamos felizes quando começamos a mendigar."

A visão predominante aqui a respeito do primeiro-ministro britânico era de um homem com um bom coração, mas sem muito poder para fazer alguma coisa a respeito.