Título: O nome do jogo
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/07/2005, Nacional, p. A6

O PT usou e abusou do aparelho do Estado para financiar seu projeto de poder Das investigações em curso, uma evidência ressalta até a olhos míopes: o PT montou um esquema de arrecadação de fundos para financiar seu projeto de poder e usou, para isso, o aparelho do Estado. Suspeita-se da existência de uma rede cuja montagem teria se iniciado nas primeiras prefeituras administradas pelo partido, mas isso não está provado.

Demonstrado, entretanto, está que o publicitário Marcos Valério de Souza fazia, no governo atual, papel semelhante ao exercido por Paulo César Farias na gestão Fernando Collor. Arrecadava e distribuía - não sabemos ainda se sozinho -, mas com uma diferença: PC usava parte do dinheiro para pagar as despesas da Casa da Dinda, residência particular do então presidente; Valério pagou as contas do partido.

Talvez por isso, porque no tocante aos integrantes do governo o caso não pareça ser de enriquecimento pessoal, os petistas mais ligados ao grupo do Planalto reagem com tanto estupor e veemência aos mais óbvios e irrespondíveis indícios.

Ficam indignados com as acusações porque não acham que o nome desse jogo seja corrupção. Como tudo é feito visando a causa - para eles - nobre, suas consciências possivelmente traduzam-no com o nome de expropriação.

E, como se sabe, em determinado extratos petistas mais fortemente atrasados, usar, e abusar, do Estado burguês não é condenável. Se a causa for a construção do nirvana dos bem-intencionados, nenhum mal há em fazer o mesmo - com mais empenho e transparência - que o "conservadorismo apodrecido".

Muito provavelmente os Josés, Genoino e Dirceu, acreditam mesmo no som de suas palavras quando dizem que o governo e o PT "não roubam" nem "deixam roubar". Acham que desviar - por qualquer mecanismo, contratos de prestação de desvio, cobrança de dízimo ao cargo de confiança ou financiamentos em bancos oficiais - dinheiro do Estado para sustentar a imensa máquina partidária em que se transformou o PT é "fazer política" e todo mundo tem a obrigação de concordar, aplaudir e justificar.

E enquanto "fazem" sua política, não vêem mal em abrir espaços da administração federal para que os outros partidos de que precisam no Congresso "façam" também suas políticas.

Isso vem caminhando assim desde o início do governo. O problema - ou talvez a solução - é que agora as coisas ficaram emboladas em malas de dinheiro e adquiriram a feição do mal. Até então era considerado muito normal o PT assumir o poder e, ato contínuo, informatizar o partido usando linhas de crédito do Banco do Brasil e pretender construir uma nova sede valendo-se do acesso à máquina estatal.

Da mesma forma, por mais de dois anos ficou combinado que só os implicantes e os inconformados com a vitória de Lula achariam esquisito o tesoureiro Delúbio Soares entrar e sair de todos os gabinetes da República, sob a alegação de que era normal freqüentar autoridades para "fazer política".

O secretário-geral Silvio Pereira também controlava a distribuição dos cargos do Executivo porque estava, em nome da Casa Civil, "fazendo política".

Também José Genoino "fez política" quando combinou com Roberto Jefferson que o PT financiaria material, patrocinaria shows de artistas e pagaria as despesas de produção dos programas eleitorais de rádio e televisão do PTB.

Genoino afirma com comovente convicção que nunca tratou de dinheiro com o petebista. Fechou com ele "acordos políticos eleitorais".

E os santinhos, camisetas, cartazes, artistas, profissionais de marketing e produção - os objetos dos acordos - seriam pagos com o quê? Dinheiro, já era tempo de ter percebido o presidente do PT.

É sobre dinheiro que Jefferson estava falando quando apontou o grupo dos quatro - José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Silvio Pereira - operadores da montagem da base de apoio no Parlamento e das alianças eleitorais por intermédio das quais o PT deveria em 2006 não apenas reeleger Lula como também expandir o número de cadeiras no Congresso e a quantidade de governadores nos Estados.

Um a um, em doses homeopáticas - Dirceu primeiro, Pereira depois, Delúbio agora, Genoino daqui a uns dias -, eles vão deixando seus postos, saindo de cena, submergindo, postergando depoimentos, contrariando promessas de defesas estridentes e sobretudo avalizando as suspeitas de que distribuíam as peças de um jogo cujo nome não se permitem pronunciar.

Mas conviria irem se acostumando porque, não demora, todo mundo vai dizer.

Homem-mágoa

Muito mais que Delúbio Soares, Silvio Pereira preocupa o governo e interessa à oposição.

O tesoureiro é tosco, como se viu semanas atrás em entrevista orquestrada por José Genoino, praticamente um ventríloquo.

O secretário-geral licenciado, porém, além de articulado manda recados.

Frases dele nesta semana: "Se eu falar quem vai me proteger? Posso sair algemado de uma CPI" (ou seja, tem munição do arquivo); "Não aceito acusações de aparelhamento. Foram os ministros que aparelharam"; "Quero ser responsabilizado apenas por minhas decisões, não pelas dos outros" (quer dizer, perguntado, dirá quem, quando, onde e porquê).