Título: Déficit zero - muito ajuda quem não atrapalha
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/07/2005, Espaço Aberto, p. A2

A idéia do déficit nominal zero (DN-zero) nas contas governamentais já é meritória pelo aquecimento que trouxe ao debate da política macroeconômica nacional, em particular no seio do governo, que deu corda à discussão da proposta. Até que esta aflorasse do seu limitado debate entre economistas, o governo se acomodara em não questionar sua política danosa ao crescimento da economia. Isto pelo que mostra de carga tributária excessivamente elevada, gastos públicos em contínua expansão, juros reais de campeão mundial do ramo, dívida pública que incomoda, câmbio valorizado, e por aí afora. No meio desse trágico cenário, há um Banco Central que atua como agência espacial de lançamento de juros, vangloriando-se de com isso controlar a febre da inflação, mas cego às necessidades de um doente que deseja cura não apenas para esse mal, mas também para o raquitismo econômico de que padece.

No artigo da semana passada, mostrei que a idéia do DN-zero é atraente ao oferecer a perspectiva de superar esse impasse sem pajelanças e promessas fáceis e tendo como objetivo algo compreensível para o cidadão comum. Ou seja, olhando o balanço final de suas contas anuais, o tal resultado nominal, usualmente deficitário, o governo se comprometeria a zerá-lo por vários anos, deixando efetivamente de gastar mais do que arrecada e estancando o crescimento da dívida pública.

Com isso a relação entre esta e o produto interno bruto (PIB) decresceria, dando ao setor público prestígio como devedor bem comportado. Recuperado esse prestígio, voltaria a ter um déficit compatível com seu novo status de devedor. Em geral os governos têm déficits e dívidas, isso não é pecado, e uma justificativa é que não cabe impor apenas à geração presente o ônus de investimentos como estradas e pontes, que também serão utilizados por gerações futuras.

O DN-zero não seria um objetivo em si mesmo, mas sim pelo que traria de perspectivas para o crescimento do País, em particular por reduzir os riscos da dívida pública e abrir caminho para taxas de juros bem menores que as atuais. Quanto às críticas recebidas pela proposta, percebe-se entre as mais sensatas um consenso quanto ao aspecto fundamental, a necessidade de um forte e efetivo ajuste fiscal. Alguns desses críticos prefeririam fazer isso fixando metas de resultado primário (receitas menos despesas exceto juros, usualmente positivo) ou de valores para a relação dívida pública-PIB.

Ora, para ter apelo político, as idéias precisam ser facilmente assimiláveis pela classe política e compreensíveis para o cidadão comum. Nesse contexto, o DN-zero é um peixe muito menos difícil de vender (nada é fácil nessa história) do que essas alternativas. Ademais, ao ser processado implicará ajustes do superávit primário e da relação dívida pública-PIB.

Aliás, para facilitar ainda mais a difusão da idéia seria mais adequado chamar o déficit nominal de orçamentário (DO), ou simplesmente déficit (D), pois a distinção entre resultado nominal e primário confunde mais do que esclarece. Este último é uma curiosidade contábil, mas no Brasil, superavitário, é usado para alardear que o governo faz um ¿enorme esforço fiscal¿, elogio realmente cabível se zerasse o déficit ¿ nominal, final ou orçamentário. Na literatura internacional, raramente se fala em outra coisa que não neste último resultado. Por exemplo, o ¿budget deficit¿ dos EUA e dos países da União Européia, para o qual é trivial a fixação de metas.

De qualquer forma, se vier um plano DN, DO ou preferivelmente D-zero, para evitar frustrações será bom ficar claro que a meta não será de um zero absoluto, mas de zero vírgula alguma coisa bem pequena para mais ou para menos. Entre outros aspectos, o governo não sabe previamente o que arrecadará em dezembro para fechar o ano exatamente zerado.

Entre as críticas, também se destaca a compreensível preocupação com o que a proposta implicaria de constrangimento à independência do Banco Central para executar sua política de controle da inflação mediante uso da taxa de juros, em face de seus efeitos sobre as contas governamentais, via custo da dívida pública. Note-se que uma queda dessa taxa deverá vir como conseqüência do D-zero, porque um dos ingredientes dela é o elemento de risco envolvido na dívida pública, o qual seria aliviado pela política proposta.

Mas não se pode ficar nisso. O papel da taxa de juros no combate à inflação precisa ser reexaminado, em particular no que tem de solista. Entre outras medidas, a inflação precisa ser combatida também pelos mecanismos de defesa da concorrência, pela política tarifária e pelo reexame dos mecanismos de indexação ainda atuantes, como os aplicados às tarifas públicas de eletricidade, telefonia e pedágios. Cabe reexaminar também a natureza dos papéis da dívida pública, eliminando-se os ¿selicados¿ ou diretamente indexados à taxa básica de juros, para reduzir o impacto das variações desta sobre o custo da dívida pública e diminuir o referido constrangimento.

Enfim, a proposta do D-zero não é simples e exigirá muito engenho e arte para chegar a bom termo. De temer, mesmo, não são as críticas que oferecem alternativas na mesma direção, como a da meta de um elevado superávit primário, mas as que insistem em gastar ainda mais, e mal assentadas em justificativas ¿sociais¿, pois os desequilíbrios que trazem para as finanças públicas comprometem o crescimento da economia e mantêm permanentemente na pobreza os necessitados que buscam ajudar.

Portanto, para os que atacam o D-zero por essa linha, vale lembrar o ditado: muito ajuda quem não atrapalha. Aos pobres se aplica o primeiro verbo; às finanças públicas, o segundo.