Título: Corrupção organizada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/07/2005, Notas & Informações, p. A3

Com a experiência de quem já presidiu julgamentos criminais, nos quais deu exemplo de coragem e discernimento, a juíza de profissão e atualmente deputada federal Denise Frossard (PSDB-RJ) encontrou sólidas razões para estabelecer semelhanças ¿ que, segundo ela, não são meras coincidências ¿ entre os processos que julgou no passado e o que está sendo revelado à Nação a partir do escândalo da corrupção nos Correios, investigado pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da qual faz parte. Respeitada por ter sido a primeira juíza a ousar pôr atrás das grades os maiorais da contravenção (leia-se jogo do bicho) do Rio de Janeiro, a parlamentar não tem escondido sua perplexidade diante dos relatos que tem acompanhado nas sessões da CPMI dos Correios. O motivo da estupefação da juíza, contudo, está longe de derivar de uma surpresa, mas provém, sobretudo, da constatação de algo com que ela está habituada a se deparar. ¿Não é porque eu não conhecesse. Conheço. Mas aquilo tem um nome. É um esboço de uma organização criminosa sistêmica¿, disse. Em outras palavras, é o crime (político) organizado.

Aos interlocutores a quem manifesta essa sua constatação a juíza lembra que até a forma como vem sendo desenrolado o fio da meada da corrupção a partir da denúncia da propina embolsada pelo burocrata da EBCT lhe lembra a forma como conseguiu ultrapassar, no Fórum do Rio de Janeiro, a sólida barreira representada pelo código mercê do qual as organizações mafiosas sobrevivem resistindo às investidas da polícia e do Ministério Público, na Itália, nos EUA ou no Brasil.

Parlamentar de primeiro mandato, ainda não devidamente enfronhada nas artimanhas das barganhas políticas, ela já pôde perceber que as relações entre a máquina pública e os partidos políticos, que caracterizam um convívio amoral e às vezes até criminoso entre os Poderes Executivo e Legislativo, só seriam desvendadas caso alguém muito comprometido com elas se dispusesse, por algum motivo, a quebrar a lei do silêncio, conhecida nas operações da Máfia ítalo-americana como omertà.

Este foi o papel, conforme ela própria faz questão de lembrar, desempenhado pelo guarda-livros de Castor de Andrade, misto de bicheiro, patrono de escola de samba e paraninfo do Bangu Atlético Clube, nos subúrbios do Rio de Janeiro. No novo escândalo investigado pela CPI de que faz parte, esse papel do informante dito ¿intimizado¿ com as ¿maracutaias¿ tem sido desempenhado com eficácia, e até mesmo com algum brilho, por seu contemporâneo de legislatura Roberto Jefferson, que costuma se jactar de freqüentar os gabinetes e corredores do Congresso há 23 anos.

Os trabalhos da CPMI da corrupção nos Correios partiram de um depoimento original ¿sem provas¿ (como fazem questão de definir os que tentam desqualificá-lo) do presidente nacional licenciado do PTB, mas testemunhos e documentos começaram a aparecer quase diariamente, confirmando as informações nele contidas.

A agenda da ex-secretária do publicitário Marcos Valério, acusado por Jefferson de ser o pagador de uma mesada originada dos fundos do PT e destinada a parlamentares de bancadas aliadas, os relatórios dos saques por ele feitos no Banco Rural e os registros de suas pegadas na capital federal vão, numa velocidade surpreendente, permitindo a constatação de uma rede de ações criminosas até então inimaginável pelo mais ferrenho oposicionista ou pelo mais feroz inimigo dos petistas.

Se, como se espera, for confirmada nas investigações da CPI essa torrente de fraudes, seus membros se depararão, segundo a dublê de juíza e deputado, com uma evidente tipificação do crime de formação de quadrilha. ¿Quadrilha ou bando se forma quando mais de três pessoas se organizam para praticar crimes. É preciso que haja tarefas determinadas e um comando. Vejo um esboço de organização criminosa que funciona como empresa, com hierarquia e pagamentos¿, constatou.

Em resumo, o que fizeram os Dirceus, Delúbios e sua ampla gama de sócios foi profissionalizar a corrupção ¿ desprofissionalizando, ao mesmo tempo, a administração ¿ numa estratégia cuidadosamente pensada para estender ao âmbito federal, com os necessários aperfeiçoamentos, o que havia sido posto em marcha em mais de uma importante prefeitura acaparada pelo PT ¿ a começar pela de Santo André.