Título: 'Sou um brasileiro normal', diz Valério
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/07/2005, Nacional, p. A6

"Sou um brasileiro normal", autodefiniu-se ontem o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, pivô principal do escândalo do mensalão, ao se apresentar aos parlamentares, pouco antes de ser inquirido na CPI dos Correios. Ele afirmou que considera "legal" o aval pessoal que deu ao PT para levantar um empréstimo de R$ 2,4 milhões no BMG e contou que foi o ex-tesoureiro Delúbio Soares que lhe pediu para avalizar a operação financeira. Valério confirmou que levou a diretoria do BMG ao ministro José Dirceu, mas explicou que eles queriam apenas se credenciar para explorar nióbio na Amazônia. Ele disse ter sido apresentado ao ex-tesoureiro Delúbio Soares pelo deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), causador de outra hecatombe petista este ano, quando desestabilizou a candidatura do candidato oficial do PT à presidência da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh. e propiciou a vitória de Severino Cavalcanti.

O publicitário mineiro explicou que quando venceu a primeira parcela o PT não teve condições de pagar. "E iriam executar a dívida, da qual eu era avalista", relatou. Para não se expor à execução financeira, ele disse aos dirigentes do PT que pagaria. Mas em compensação, retirou o seu aval: "Avisei ao Delúbio que retiraria meu nome como avalista. Houve a retirada e não sou mais avalista", disse ele, sem revelar que o substituiu no aval.

AMIZADES NO GOVERNO

Valério contou à CPI que encontrou o ex-ministro José Dirceu "umas quatro vezes". Disse também que não conhece o ministro Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação de Governo (Secom); e que conhece pouco José Genoino, presidente do PT: "Encontrei algumas vezes, mas não temos amizade", assinalou. Mas admitiu conhecer João Cláudio Genu, suspeito de ser um dos operadores do mensalão, "lá no gabinete do deputado José Janene (líder do PP)".

O publicitário revelou que está vivendo um drama pessoal e em vários momentos dividiu-se entre contar o que sabe ou se esconder para não ter de falar. "Mesmo tendo o direito de calar, me coloco à disposição para esclarecer qualquer fato", disse, no início. Contou que evitou aparecer na mídia para se explicar e que só deu uma entrevista para a TV Globo por pressão da família. "Falei à revista Veja, mas algumas declarações não coincidiram com o que disse, por engano ou por não me fazer entender", disse. Ele considera que tem sido massacrado: "Fui julgado pela mídia, que exerce o seu direito democrático de informar", assinalou.

Ele rechaçou a hipótese de que teria sido beneficiado na licitação de publicidade dos Correios, por ter a empresa reduzido o teto mínimo de capital registrado das agências de propaganda concorrentes, coincidindo com os interesses da SMPB. "Havia 55 concorrentes. Não foi feito para me favorecer. Muitas outras empresas não tinham o capital financeiro (exigido inicialmente) de R$ 3 milhões". Ele lembrou que três agências venceram a licitação: "Vencemos, junto com outras duas empresas. Não houve facilitação para a SMPB, senão é claro que as outras teriam recorrido. Refuto qualquer insinuação de que houve facilitação", disse ele.

LUCROS POSSÍVEIS

Ele opinou que a conta de publicidade dos Correios não dá grandes margens para superfatura às agências de publicidade. A SMPB, assegurou, teve uma média de lucro líquido de 10%. "Nós faturamos R$ 28 milhões em 2004, o que significa que ganhamos em torno de R$ 2,8 milhões. Tirados os impostos, sobrou R$ 1,9 milhão. Não há condição técnica para superfaturamento", opinou ele.

Ele explicou à CPI dos Correios que o faturamento bruto total do grupo de empresas ao qual pertence é de R$ 400 milhões por ano, aproximadamente. A parte da SMPB é de mais ou menos R$ 200 milhões, dos quais R$ 40 milhões têm origem em contas públicas. Já na DNA, explicou ele, o faturamento é meio a meio -50% vem de governos e empresas públicas e 50% vêm do setor privado.

DOAÇÕES

Ele respondeu de forma sucinta a perguntas sobre eventuais doações que tenha feito para campanhas eleitorais. "Se fiz alguma doação (para campanhas políticas), foi dentro da lei", conjeturou. Em seguida, retomou a explicação: "Doação, que me lembre, não. Como pessoa física, não fiz nenhuma doação", afirmou ele.

Em seu depoimento, Marcos Valério admitiu que esteve na Casa da Moeda e revelou uma nova faceta do universo preenchido por suas relações com o governo Lula e com o PT: "Conversei com o Manoel Severino (presidente da Casa da Moeda) para tratar de política. Ele é do PT e fui discutir política com ele, sobre campanhas políticas no Rio de Janeiro", contou. Ele revelou à CPI que foi responsável pelas campanhas do PT em Petrópolis, no Rio, e em São Bernardo do Campo e Osasco, em São Paulo.

Marcos Valério admitiu aos parlamentares que tem uma condenação por ter sonegado recolhimentos para a previdência, mas frisou que a sentença aplicada está atualmente em grau de recurso.

Ele contou que nas eleições de 1998 apoiou a candidatura de Eduardo Azeredo (hoje senador do PSDB) para o governo de Minas; e que em 2002, apoiou a candidatura de Aécio Neves ao governo mineiro. Na eleição presidencial de 2002 ele diz ter apoiado o candidato Ciro Gomes (que à época era do PPS) no primeiro turno e o presidente Lula, no segundo.