Título: Novas regras para ajuda sacodem o velho sistema africano de subornos
Autor: João Caminoto e Cida Fontes
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/07/2005, Internacional, p. A14

Um dos piores momentos de Dora Nkem Akunyili no combate à corrupção ocorreu há cerca de dois anos, quando seu filho lhe pediu que não visitasse seu colégio. Obumneme Akunyili, de 13 anos, não queria que ninguém soubesse que ela era sua mãe. Não era por vergonha. Desde que se tornara a principal reguladora de alimentos e remédios da Nigéria, em 2001, sua mãe combatia com sucesso um comércio ilícito que inundava o país com medicamentos falsos. Ela atacava importadores, distribuidores e uma série de funcionários dispostos a pôr a vida de nigerianos em risco em troca de subornos. Mas o filho se preocupava com o que poderia ocorrer se os inimigos da mãe o localizassem. Assim, disse a todos que uma tia era sua mãe.

"Isto me causou muito sofrimento", disse Akunyili. "Mas o garoto percebia o perigo." Na Nigéria, até as crianças compreendem a ameaça da corrupção. Também o fazem, cada vez mais, os doadores que despejaram mais de US$ 300 bilhões nas nações africanas desde 1980 e viram uma parte enorme sumir num buraco de fraudes, irregularidades e desperdício.

Depois de anos nos quais doadores decepcionados deram as costas à África - há cinco anos, a ajuda externa ao continente atingiu o ponto mais baixo em 17 anos -, os bilhões começam a voltar. Em maio, os países mais ricos concordaram em cancelar US$ 40 bilhões em dívidas das 18 nações mais pobres do mundo - 14 delas, africanas.

Mas desta vez as regras são diferentes. Enquanto o G-8 se reúne, reina uma nova abordagem. Os esforços de reformistas como Akunyili serão examinados para que se decida se as nações pobres podem lidar com novas injeções de dinheiro.

Nenhum país africano ilustra o desafio como a Nigéria, que ao mesmo tempo é paralisada pela corrupção e tenta combatê-la. Rica em petróleo e gás, que inundaram seus cofres com US$ 300 bilhões nos últimos 20 ou 30 anos, a Nigéria permanece profundamente carente, principalmente por causa do desperdício e das fraudes.

Funcionários como Akunyili tiveram algumas vitórias, mas poucos corruptos foram condenados e milhões de dólares de ajuda ainda são desviados. Assim, os doadores enfrentam a questão, na Nigéria e grande parte da África, de quanto avanço é suficiente. Novas concessões dependem cada vez mais de provas de que seus beneficiários estão controlando a corrupção e governando com juízo.