Título: Desvinculação ajudaria pouco
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/07/2005, Economia & Negócios, p. B3

A elevação do porcentual de Desvinculação das Receitas da União (DRU) de 20% para 40%, como proposto pelo deputado Delfim Neto (PP-SP), pouco contribuiria para o ajuste fiscal do governo, avaliam técnicos do Congresso, com base na composição atual de receitas e despesas do governo federal. Na melhor das hipóteses, o reforço da DRU permitiria ao governo elevar o superávit primário em R$ 5,5 bilhões (0,25% do Produto Interno Bruto), se fossem adotadas também medidas concretas que reduzissem os gastos de programas hoje financiados com verbas vinculadas, como o seguro-desemprego, a qualificação profissional e o combate à fome, o que contraria as prioridades do Palácio do Planalto.

Em tese, a proposta de Delfim tem como objetivo dar ao governo mais liberdade para decidir como gastar os recursos. Existem na Constituição Federal diversos dispositivos amarrando receitas a determinadas despesas - as chamadas vinculações. A desvinculação é uma forma de "desengessar" os gastos federais. Mas, afirmam os técnicos, o centro do problema não são as vinculações.

A despesa com educação é um exemplo.

A Constituição diz que 18% da receita líquida de impostos têm de ser aplicados nessa área. O governo aplica mais do que isso: em 2004, foram 20,87% (R$ 10,6 bilhões) e todos os movimentos vão no sentido de ampliá-la. Portanto, ampliar a DRU não teria efeito prático nesse caso.

Algo parecido ocorre com as despesas do Ministério do Trabalho financiadas pelo PIS/Pasep. O grau de vinculação atual, com a DRU em 20%, obriga o governo a gastar R$ 10 bilhões com a área, mas o seguro-desemprego e o abono salarial custam R$ 10,6 bilhões.

SAÚDE TAMBÉM

Outro exemplo são os gastos com a saúde, caso no qual a ampliação da DRU não resolveria porque não há vinculação nessa área. No caso da saúde, um dispositivo constitucional manda aumentar as despesas na área conforme o crescimento da economia (a variação do Produto Interno Bruto).

Quando era ministro da Fazenda, Pedro Malan se bateu contra essa exigência. A atual equipe econômica tenta driblar o dispositivo, incluindo na conta da saúde gastos com saneamento, nutrição de gestantes e outros.

"O importante para o ajuste fiscal é cortar as despesas, com ou sem DRU, não importando qual receita financie o quê", diz o economista José Cosentino Tavares, da Comissão Mista de Orçamento do Congresso. O governo, afirma, já dribla as vinculações de receitas.

O deputado Delfim Neto sabe das limitações do alcance da DRU para elevar o superávit primário, mas avalia que um orçamento menos engessado deve facilitar o processo de queda da taxa de juros. É dessa forma que mais contribuiria para a redução do déficit nominal, parcela do custo dos juros que não é coberta pelo superávit primário.