Título: O clima? Vai aos trancos e barrancos
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2005, Espaço Aberto, p. A2

A poucas horas do encerramento da reunião do G-8 na Escócia, parece certo que não se conseguirá a adesão dos Estados Unidos a qualquer compromisso de metas, como as do Protocolo de Kyoto, para reduzir suas emissões de gases poluentes que contribuem para mudanças climáticas. Já se considera até um avanço que o presidente Bush tenha dito aceitar que o problema do aquecimento global existe, que ações humanas contribuem para ele e que é preciso encontrar caminhos para resolver o problema, sem afetar o desenvolvimento econômico ¿ com novas tecnologias capazes de reduzir emissões. Os mais otimistas, a esta altura, esperam que se acerte ali um mandato para que o Grupo dos 8 mais os cinco convidados (Brasil, China, Índia, África do Sul e México) continuem a discutir o tema e cheguem ao que se chama de um ¿mandato negociador¿, para encontrar uma fórmula de compromisso aceitável para todos. Porque não são apenas os Estados Unidos que não aceitam metas de redução. O Brasil, ressaltando que há responsabilidade maior dos países industrializados, também não aceita, por entender ainda que implicaria restrições ao desenvolvimento. A China não aceita; a Índia, também não. Será preciso encontrar um novo caminho, palatável para todos.

¿O novo regime será fragmentado¿, diz um experiente negociador brasileiro. Provavelmente os Estados Unidos aceitarão algo como reduzir emissões substituindo os atuais veículos muito poluidores por carros movidos a hidrogênio. A intenção do governo norte-americano é de investir US$ 20 bilhões nessa tecnologia e em usinas de energia capazes de baixar emissões.

Há poucos dias, o Senado aprovou US$ 18 bilhões para incentivos a projetos de eficiência energética, fontes renováveis de energia, combustíveis alternativos, carros híbridos, painéis solares, casas eficientes, biodiesel e até usinas nucleares. O Brasil, por sua vez, provavelmente colocará sobre a mesa seu programa de incentivo a energias alternativas (Proinfa), que pretende gerar 3 mil MW em energia eólica, biodiesel, etc. A China, seu programa de energias renováveis. Cada um terá seu caminho.

De qualquer forma, voltou à discussão, nas reuniões preliminares à da Escócia, a proposta brasileira de calcular a contribuição de cada país, com suas emissões, para o aumento da temperatura da Terra até aqui. E esse número se traduziria numa cota de redução das emissões proporcional à responsabilidade. É possível que prospere, embora não seja fácil.

Mas o problema global terá de ser enfrentado por algum caminho. Informações sobre a gravidade não faltam. Ainda há poucos dias novos estudos mostraram que o Atlântico Norte tem recebido cerca de 5 mil quilômetros cúbicos (5 bilhões de metros cúbicos) mais de água, por causa do derretimento de geleiras no Ártico ¿ quase tanto quanto a descarga anual do Rio Amazonas no mar, que é de pouco mais de 6 mil km³. Essa água toda pode baixar a temperatura do Atlântico Norte, afetar a densidade, prejudicar a vida marinha.

Outro estudo, da Universidade de Oxford, diz que mudanças climáticas podem afetar a região das dunas do Kalahari (2,5 milhões de km²), desertificar vários países africanos. Um terceiro, da Royal Society britânica, garante que o carbono está aumentando a acidez nos oceanos, afetando o plâncton e as cadeias da biodiversidade.

No Brasil mesmo as informações são inquietantes. Um seminário no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) concluiu que o furacão que açoitou Santa Catarina no ano passado pode repetir-se. A Confederação Nacional da Agricultura mostra que a perda da agropecuária este ano chegará a R$ 10 bilhões, principalmente por causa da quebra de safras em função de fatores climáticos (secas e inundações extemporâneas).

Só na safra de grãos foram perdidos 18,2 milhões de toneladas. Se se considerar toda a cadeia que depende das safras (beneficiamento, transporte, comercialização), as perdas serão de R$ 25 bilhões.

Mas continuamos despreparados para enfrentar o problema, concluiu o seminário do Inpe. Não temos sequer radar meteorológico e dependemos de informações dos Estados Unidos. Não temos redes científicas capazes de preparar os setores econômicos e as populações para eventos perigosos. Continuamos sem política adequada para essa área. Não estamos conseguindo conter a principal causa das nossas emissões ¿ desmatamentos, queimadas e mudanças no uso do solo, que respondem por 75% das nossas emissões de dióxido de carbono (CO2).

E o mundo continua atormentado pelo problema. Boa parte da Europa está castigada neste momento pela pior seca já registrada. Teme-se que se repitam os milhares de mortes de 2003. Índia e Paquistão enfrentam temperaturas ao redor de 50 graus Celsius, com centenas de mortes, 500 mil indianos desabrigados por inundações. Na China são 2,4 milhões de desabrigados, centenas de mortos.

É certo que muitos países estão pondo em atividade suas bolsas de financiamentos para projetos que possam reduzir emissões de poluentes. Calcula-se que no ano passado esse mercado tenha envolvido na Europa 70 milhões de toneladas de CO2. O Japão aprovou lei que obriga 8 mil empresas a divulgar anualmente relatórios sobre suas emissões.

A proposta mais radical vem da Inglaterra: o Tyndall Centre for Climate Change Research propôs ao governo estabelecer cotas pessoais de emissões. Cada pessoa receberia algumas unidades, cada uma correspondente a um quilo de poluentes. E poderia utilizá-las para comprar combustíveis, consumo de energia, passagens aéreas, etc. Vai dar muita discussão. E talvez leve os governantes a apressar suas decisões.