Título: Pompa sem circunstância
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2005, Notas & Informações, p. A3

Austera e composta como a dos seus antecessores ao tempo do presidente Fernando Henrique, a imagem do porta-voz do Planalto, André Singer, substituiu a do publicitário Marcos Valério nas emissoras que transmitiam ao vivo o seu depoimento na CPI dos Correios, no começo da tarde de quarta-feira. Solenemente, Singer deu os nomes dos três novos membros do Ministério: Hélio Costa (Comunicações), Saraiva Felipe (Saúde) e Silas Rondeau (Minas e Energia). Outra fosse a realidade do governo e da política, a pompa na circunstância do anúncio seria notada apenas como a expressão natural de uma presidência operosa, competente e respeitada pelos altos critérios que orientam a escolha dos integrantes do seu primeiro escalão, ao lado de um Congresso igualmente ativo, íntegro e voltado para o interesse nacional.

Sendo a realidade, porém, essa que está aí atordoando os brasileiros e não a quimera que se acabou de descrever, saltou aos olhos o grotesco contraste entre a solenidade do anúncio do porta-voz e a obscenidade dos fatos que lhe deram origem ¿ os conchavos do presidente da República com os cardeais do chamado PMDB governista para aumentar a participação da legenda no Gabinete federal, em troca de proteção política na hipótese de a crise agravar-se ainda mais, como infelizmente tudo indica que vai acontecer. Além do mensalão e das traficâncias que Marcos Valério foi chamado a esclarecer na CPI, no mesmo dia de sua inquirição ficou se sabendo que o loteamento político do fundo de pensão de Furnas, operado pelo PT, lhe causou prejuízos superiores a R$ 153 milhões, decorrentes de investimentos no mínimo escabrosos.

Ao mesmo tempo, divulgava-se que dois vice-presidentes do Banco do Brasil foram exonerados em conseqüência da evidência de que o financiamento de R$ 20 milhões ao PT para informatização dos seus diretórios foi feito sem avalista. Isso não é propriamente uma novidade, dada a notória petização do banco. Basta citar o caso do candidato derrotado da legenda ao governo do Distrito Federal, em 2002, Geraldo Magela.

A título de consolação, foi nomeado presidente do Banco Popular, um braço do BB, na esperança de que viesse a demonstrar uma até então desconhecida competência gerencial. Lula havia prometido compensá-lo com qualquer cargo, como disse de público ¿ e a função para a qual foi afinal escolhido fez dele o símbolo do aparelhamento do Estado pelo governo petista.

A mesma falta de sensibilidade política e ética que fundamentou esse processo tornou a emergir, com outra roupagem, nas barganhas entre o presidente e os seus mais importantes aliados no PMDB, o titular do Senado Renan Calheiros e o seu antecessor José Sarney. O espantoso, no caso, é o ar de business as usual.

Como se não tivesse havido o flagrante do pagamento de propina nos Correios e como se o deputado Roberto Jefferson nada tivesse dito sobre suborno de deputados ¿ com os explosivos desdobramentos de uma coisa e outra ¿, Lula mergulhou mais uma vez nas águas barrentas da fisiologia bruta para blindar o seu governo contra o que pode vir por aí, não bastasse o que já veio.

São principalmente os detalhes do negócio com o PMDB chapa-branca que sugerem que o presidente não se deu conta de que a esta altura não há mais o que blindar no seu governo, enquanto continuar sendo ¿o governo do PT¿, a não ser a auréola de sua imagem presidencial que já começa a desvanecer-se. Quando os peemedebistas protestaram por não serem quatro as Pastas que receberiam, conforme o prometido, o presidente argumentou, como se estivesse mercadejando num bazaar do Oriente Médio, que teriam de ser três porque nem toda a bancada do partido na Câmara fecha com o governo: cerca da metade de seus membros não é confiável.

Se fosse, ah, aí sim, o PMDB faria jus ao quarto ministério. Além disso, Lula queria que um dos três contemplados, o deputado federal Saraiva Felipe, fosse para as Cidades, no lugar do petista Olívio Dutra. Foi preciso lembrar ao presidente ¿ que mais parece o técnico de um time onde todos são polivalentes ¿ que não seria bem o caso, pois Felipe é médico, com conhecimentos de saúde pública, não de problemas urbanos.

O trato de Lula com uma parte do PMDB exibiu ainda uma vez o seu total alheamento ao estado de espírito da sociedade diante do quadro de desagregação moral que a crise vai expondo.