Título: Um brasileiro normal?
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2005, Notas & Informações, p. A3

Submetido durante 14 horas, na CPMI dos Correios, a um interrogatório intenso ¿ sem pausa para almoço ou jantar; mantendo-se com frieza e educação, perante os senadores e deputados que lhe faziam e repetiam perguntas, sobre o vasto espectro de suas atividades e influências junto ao Poder, que o colocaram no epicentro de uma das maiores crises político-governamentais já ocorridas no País ¿, o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza o que menos pareceu foi o ¿brasileiro normal¿, da sua autodefinição.

Pelo número de firmas que comprou ou abriu (pelo menos 14), muitas que nunca funcionaram; pelo sucesso ¿comercial¿ estrondoso e pelos saltos de ¿faturamento¿ de algumas delas (a SMPB e a DNA) durante o governo Lula, embora tenha prestado serviços a governos anteriores; pela desproporção entre o tamanho de suas empresas e a movimentação de dinheiro que fazem; por seu vasto relacionamento com líderes políticos de vários partidos e por muitas outras razões que se puderam deduzir, de seu depoimento, o mínimo que se pode dizer é que Marcos Valério é um empresário ¿atípico¿, fora de quaisquer padrões usualmente conhecidos.

Apesar de demonstrar estar bem preparado, por seus advogados, para evitar ao máximo o comprometimento a partir das próprias palavras, o depoente não conseguiu escapar de evidentes contradições, em relação a depoimentos anteriores, prestados à Polícia Federal ou em entrevistas. E, especialmente, em relação a seus volumosos saques bancários em dinheiro vivo ¿ antes negados e depois admitidos.

Sem dúvida foi este o ponto em que o sr. Marcos Valério deixou mais evidente sua dificuldade de forjar uma justificativa verossímil, pois empresa alguma, de qualquer ramo que seja, em atividade legalizada, necessita pagar fornecedores com grandes quantidades de dinheiro vivo ¿ num total de R$ 20,9 milhões ¿ transportando-o fisicamente com grande risco, ou sacando-o de um caixa para depositá-lo em outra conta da mesma agência bancária ¿ em lugar de efetuar pagamentos por transferência eletrônica, cheques ou cartões de crédito. Aliás, o depoente invocou, expressamente, seu direito de manter-se calado, quando lhe perguntaram sobre os ¿investimentos¿, que fizera, com aquela dinheirama.

Quem assistiu ao longo interrogatório de Marcos Valério viu uma exposição exaustiva de justificativas não convincentes, para indagações reiteradas e insistentes. Por que se tornou avalista de um empréstimo de R$ 2,4 milhões e pagou a parcela de juros, de R$ 351 mil, em benefício do Partido dos Trabalhadores? Graças apenas à amizade pessoal, muito recente, em relação ao tamanho do favor, com o tesoureiro recém-afastado do partido, Delúbio Soares?

Qual seu exato papel nos contatos que fez entre dirigentes de instituições financeiras e o Banco Central ¿ como na negociação, em nome do Banco Rural, para encerrar a liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco ¿ justamente ele, que declarou à CPMI ¿não entender nada da parte financeira¿? Como afirma jamais ter feito operações financeiras no exterior ¿ apenas ¿pagamentos a fornecedores, em torno de US$ 7 mil a US$ 10 mil, no máximo¿ ¿ mesmo que a CPI do Banestado tenha identificado seu nome em movimentações de US$ 1 milhão? Em que serviços de publicidade ou comunicação consiste o trabalho, orçado em R$ 20 milhões, contratado com a Câmara dos Deputados, na gestão de seu ex-presidente João Paulo Cunha?

O que significa a ¿licitação interna¿ da qual suas empresas participaram (e ganharam), por um contrato de R$ 25 milhões para o lançamento do chamado ¿Banco Popular¿, do Banco do Brasil? Estas são apenas algumas das inúmeras indagações não respondidas pelo superpolivalente empresário/publicitário/lobista Marcos Valério.

É claro que muitas destas indagações e as que ainda sequer vieram à baila terão de ser esclarecidas pelos documentos e informações que chegarem a esta e às outras CPIs, em instalação ou em andamento. E o sr. Valério deverá responder a novos interrogatórios, na medida em que se vão lancetando os nichos da corrupção sistêmica instalada no País.