Título: A vez de Londres
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2005, Notas & Informações, p. A3

O atentado terrorista na manhã de ontem em Londres, enquanto parte expressiva dos recursos de segurança da Grã-Bretanha estava concentrada em proteger os chefes de Estado e de governo do G-8, na Escócia, mais uma vez permitiu constatar duas realidades óbvias. A primeira é que nas sociedades livres ¿ e, a rigor, mesmo nas outras ¿ não existe proteção absoluta contra os que planejam e perpetram assassínios em massa e estão prontos a morrer para o êxito das suas ações criminosas, motivadas pelo mais insano dos fanatismos, que é o que pretende semear o horror e a destruição, não para alcançar um objetivo presumivelmente viável em partes delimitadas do mundo, como os terroristas curdos, bascos, irlandeses, chechenos e outros.

À diferença dos movimentos armados que, para conquistar a vitória na luta por causas que consideram legítimas, recorrem à prática bárbara de não distinguir entre alvos civis e militares, o que move os autores de matanças como a de Madri, há pouco mais de um ano, e a de ontem na capital inglesa ¿ para não falar, é claro, da hecatombe do 11 de Setembro nos Estados Unidos ¿, é exclusivamente a vingança desvairada contra governos, países, populações, sistemas econômicos, ideologias e credos religiosos a que atribuem a responsabilidade pelos infortúnios reais ou imaginários que afligem seja lá o que for do que façam parte e pelo que se regozijam em se sacrificar. Não há dúvida de que essa modalidade de terror tem em comum com a outra ¿ a convencional por assim dizer ¿ a intenção primária de aterrorizar para intimidar. Todo ato terrorista, afinal, é uma mensagem.

Mas a desumana violência dos arquiextremistas islâmicos se distingue pelo fato peculiar de que aqueles que a praticam não têm esperança alguma de que os seus ultrajes mudarão o curso da história. Não derrotarão militarmente o inimigo odiado. Não foram as explosões na estação ferroviária de Atocha que fizeram a Espanha retirar as suas tropas do Iraque.

A saída tinha sido prometida meses antes, com o apoio esmagador do eleitorado, pelo candidato socialista José Luiz Rodriguez Zapatero. Nem os fundamentalistas ensandecidos poderiam esperar que os dirigentes de um país por eles dilacerado sucumbiriam à chantagem, se o objeto da demanda não tivesse prévio e amplo respaldo popular.

A essa espécie de inimigos, com os quais não há entendimento possível ¿ o que eles também sabem ¿, o Ocidente estará sempre vulnerável, pois jamais se converterá em algo assemelhado a um castelo medieval cercado por fossos intransponíveis.

Ainda mais na União Européia, onde as pessoas têm o livre direito de ir-e-vir, sem barreiras de fronteiras. O que se pode fazer é coordenar a ação supranacional de órgãos policiais, de segurança, inteligência e fiscalização financeira (não existe terrorismo sem dinheiro), intensificando a vigilância ¿ e, ao mesmo tempo, quanto mais não seja para privar os bárbaros da satisfação de um único triunfo, preservar as liberdades civis, as garantias jurídicas da democracia e os direitos humanos.

O que leva à segunda realidade óbvia, mencionada no início deste comentário: a guerra ao terror só pode existir como metáfora para justificar o conjunto daquelas outras medidas preventivas, cuja própria falibilidade exige que sejam permanentemente revistas e aperfeiçoadas. Mas a tragédia que acabrunha o mundo é que, sob o governo mais tosco de sua história moderna, a superpotência americana insiste em travar essa guerra não só em sentido literal, mas contra o inimigo errado.

Depois do ataque a Londres, apenas se pode repetir o que se argumentou quando ardiam os trens madrilenos ¿ e com mais razão ainda, pelo que vem acontecendo desde então no Iraque: a impenitente política de Bush no antigo feudo de Saddam Hussein, com suas reverberações devastadoras no mundo árabe-muçulmano, construiu a maior base de recrutamento de homicidas que a Al-Qaeda e assemelhados poderiam divisar.

Os seus crimes não deixariam de ocorrer fossem os Estados Unidos governados pelo mais sábio dos homens. Mas seriam com certeza muito mais raros ¿ e, quem sabe, mais passíveis de prevenção porque, nessa hipótese, os formidáveis recursos dos Estados Unidos estariam dirigidos para o combate certo.