Título: Cúpula do Rural responderá por fraude
Autor: Eduardo Kattah
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2005, Nacional, p. A9

O vice-presidente do Banco Rural, José Roberto Salgado, cinco executivos e um ex-diretor da instituição financeira foram denunciados ontem pelo Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais por gestão fraudulenta e formação de quadrilha. A 4ª Vara da Justiça Federal, em Belo Horizonte, que vai decidir se acata ou não a denúncia. Os procuradores da República identificaram, no período de abril de 1996 e janeiro de 2000, um total de US$ 4,8 bilhões enviados ao exterior por meio de contas CC-5. Segundo o procurador Rodrigo Leite Prado, um dos autores da ação, desse montante, pelo menos US$ 192 milhões foram enviados por meio de "laranjas" a título de constituição de disponibilidade no exterior e teriam origem ilícita, segundo análise pericial da Polícia Federal. "É um esquema muito semelhante ao praticado pelo Banestado, de manipulação da carteira de câmbio", disse Prado.

Os procuradores envolvidos na investigação constataram que o Rural mantinha duas carteiras de câmbio em endereços diferentes na capital mineira. Uma "oficial" e outra qualificada de "não convencional", que funcionava na diretoria do banco. Segundo Prado, o Rural oferecia a interessados a possibilidade de evasão de divisas, arregimentando "laranjas", que serviam para "afastar a possibilidade de rastreamento da operação ilegal". O MPF contabilizou 378 "laranjas" arregimentados no período pelo banco mineiro.

As contas eram abertas para a finalidade ou utilizadas para as operações irregulares contas inativas de pessoas jurídicas em outros bancos ou no próprio Rural. "Gente humilde, que abria uma conta para essa finalidade ou tinha uma conta inativa, que era usada. Pagava-se entre R$ 1 mil e R$ 2 mil."

Prado explicou que o esquema consistia numa "grande teia" de movimentações financeiras, que sempre desaguavam em três contas CC5: duas mantidas pela Instituição Financeira Externa, Banco Rural Uruguay S/A, em Belo Horizonte e em Foz do Iguaçu (PR), e outra no Rural International Bank (com sede nas Bahamas), de Foz do Iguaçu.

"Quase sempre, os "laranjas" colocavam como destinatários no verso dos cheques contas que pertenceriam a eles próprios no exterior", disse o procurador. Mas a mesa de câmbio "não oficial" do Rural alterava o destino da remessa durante o trajeto. Conforme Prado, os objetivos das operações seriam ocultar recursos de origem criminosa, blindar patrimônio ou dar destino ao caixa dois de empresas.

O MPF não conseguiu identificar o destino dos recursos remetidos, mas o Banco Central constatou que algumas contas nos Estados Unidos tinham como beneficiários doleiros. Na época, o correspondente do Rural em Nova York era a agência do Banestado, segundo o procurador. "Os US$ 4,8 bilhões transferidos por meio de contas de não residentes pelo Banco Rural é equivalente ao valor que saiu no mesmo período do Banestado (US$ 5,6 bilhões) e Banco Araucária (US$ 5,1 bilhões)", destacou.

Boa parte do montante, segundo o procurador, refere-se a transferências interbancárias, inclusive entre o Rural e suas subsidiárias no exterior. Na denúncia, o MPF aponta Salgado como o "mentor" do esquema de remessa ilegal de recursos por meio de contas CC5 no País. O atual vice-presidente do banco ocupava, na época, o cargo de diretor de câmbio.

Na acusação formal, os procuradores afirmam que entre julho de 1995 e abril de 1996 o Rural realizou operações simuladas de câmbio com bancos paraguaios (Banco del Parana, Corfan e Inversion) para burlar uma norma do BC que proibia operações entre instituições coligadas. Segundo investigação do MPF, o Rural utilizava as instituições paraguaias para, numa operação triangular, vender dólares à sua subsidiária no Uruguai e se beneficiar do spread cobrado.

No mesmo período, a diretoria do banco mineiro descumpriu atos normativos do BC e do Conselho Monetário Nacional relativos a operações com contas CC5, conforme a denúncia. O banco, por exemplo, acatou cheques sem identificar que eram operações de transferência internacional. "Somente de três titulares de contas não residentes, as operações somam R$ 430 milhões", disse Prado.

Além de Salgado, foram denunciados os executivos Vinícius Samarane (na época diretor do IFE Rural Uruguay); Francisco de Assis Morais Pinto Coelho, superintendente de câmbio, e os gerentes de câmbio Cláudio Eustáquio da Silva e Ronaldo dos Santos Corrêa. Além deles: Danton Alencar, ex-diretor de câmbio.

Todos estão sujeitos a penas de três a oito anos de reclusão e multa de até 18 mil salários mínimo pelo crime de gestão fraudulenta. E de um a três anos de prisão por formação de quadrilha. O MPF denunciou também Odilon Cândido Barcelos por formação de quadrilha, como o "aliciador de laranjas".

A assessoria de imprensa do Banco Rural informou que sobre este assunto "já forneceu a tempo e modo todas as informações requeridas pela CPI do Banestado e Ministério Publico". A respeito da denúncia da Procuradoria da República, o banco disse que "tem todo interesse de prestar informações complementares, tão logo seja comunicado oficialmente".