Título: Brasileiro escapa do metrô pela janela
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2005, Internacional, p. H1

O que falar desse dia "estranho"? Sim, este talvez seja o melhor termo para descrever essas últimas horas. Passam das 21 horas e o sol que começa a se pôr neste verão londrino apenas aumenta minha sensação de estranheza... No entanto, esse dia começou como tantos outros, apenas um pouco mais tarde que de costume pois, como ensaiamos sem parar para a estréia de A Valquíria, prevista para esta sexta-feira, eu havia reservado a manhã para descansar e pensar no próximo concerto que dirijo aqui, no dia 17. Estou bastante perto do Covent Garden, próximo também a Holborn, estação de metrô seguinte a Russell Square e King s Cross.

Talvez por estar numa posição tão central acabei me acostumando com os barulhos estranhos de uma cidade grande e mesmo de sirenes e gritos acabam passando sem registro especial. Havia deixado a janela fechada uma vez que tem estado um pouco frio. Talvez por isso as notícias das explosões tenham me pego de surpresa, ainda mais por estar a minutos do local de algumas das explosões. Uma mensagem instantânea enviada por um amigo através da internet me acordou para o que se passava e resolvi olhar no site da BBC.

As poucas pessoas com que falei a princípio pareciam não acreditar no que estava acontecendo e essa estranheza, esse "choque" parece ter permanecido por todo o dia. O sol que se alternava com pancadas de chuva e, mais tarde, as lojas fechadas e uma quantidade enorme de gente andando pela ruas tentando retornar à casa contribuíram também para esse clima bizarro.

Na Royal Opera House o clima era estranho e muitos passaram o dia juntos à televisão ou aguardando as informação veiculadas pelo diretor-geral no circuito interno de emergência. Como era de se esperar a ópera desta noite foi cancelada, assim como todos os espetáculos teatrais no West End.

Ninguém sabe o que acontecerá amanhã, quais ensaios teremos, se Die Walküre subirá à cena com Plácido Domingo - o "grande acontecimento" da semana tornou-se pequeno em perspectiva.

Depois de fatos como esses, tão fora do cotidiano, é impossível não achar tudo estranho e não olhar a cidade e seus habitantes de forma diferente. Penso todavia na "guerra civil" de violência que testemunhava quando morava no Rio de Janeiro e penso na incrível capacidade que temos de nos habituarmos a todas as explosões e balas perdidas - no final do dia muitos eram os pubs abertos e relativamente cheios. Vou dormir sem saber o dia de amanhã, mas com a forte sensação de que a vida continua, de que o que aconteceu hoje, uma tragédia, não é tanto uma surpresa. Há dois anos recordo alguém que me dizia: "Que bom que vais morar no centro e evitar ter de pegar metrô, com essas ameaças terroristas". Era certamente a crônica de uma (várias) morte(s) anunciada(s)."