Título: Depois disso, é impossível não ver a cidade de forma distinta
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2005, Internacional, p. H1

O brasileiro José Di Michele, que é analista de dados de uma empresa financeira e mora em Londres há cerca de seis anos, foi uma das pessoas que estavam no metrô na hora das explosões ontem, informou Babeth Bettencourt, da BBC Brasil. Ele escapou praticamente ileso, apenas com ferimentos na mão, depois de quebrar a janela do vagão junto com outras pessoas e seguir pelos trilhos até a plataforma. "Achei que ia morrer, que minha hora tinha chegado", disse ele à BBC Brasil. "Peguei o metrô em Finnsbury Park, na Picadilly Line. Pouco depois de deixarmos a estação de King's Cross, o trem parou, as luzes se apagaram e o vagão se encheu de uma fumaça preta", disse. "O trem estava lotado e eu achei que ia morrer asfixiado. O vagão estava cheio, meus olhos ardiam, fiquei abanando as pessoas com um jornal. Havia uma mulher grávida, muito nervosa... O pessoal então quebrou as janelas para sair. Tudo isso aconteceu em mais ou menos cinco minutos."

"Na verdade, tive sorte. Eu estava naquele trem, não sei onde estava a bomba, mas eu estava no vagão da frente, podia ter entrado no vagão onde estava a bomba... foi sorte. Acabei de saber que naquele trem morreram 21 pessoas... Isso te faz pensar. Nasci de novo, acho que não chegou a minha hora."

Apesar do medo, os brasileiros que moram em Londres ou estão de passagem pela cidade não pensam em deixar de trabalhar ou de aproveitar as férias por ca usa dos atentados de ontem. "Vou acompanhar o noticiário pela manhã e se o metrô estiver funcionando, vou para o centro", afirmou a advogada Renata Longo, de 27 anos, que tem mais uma semana de folga em Londres. "Não acho que vá acontecer de novo." Para chegar ao centro de metrô, ela terá de passar por Liverpool Street, uma das estações atingidas.

Julia Sant'Anna, de 28 anos, que faz mestrado em Londres, ouviu uma das explosões, de casa. Ela mora a duas quadras da Tavistock Square, onde o ônibus explodiu. "Pensei que fosse um trovão. Olhei pela janela, e o tempo estava normal. Soube do que se tratava quando um amigo me ligou."A organização britânica foi o que mais impressionou a enfermeira brasileira Karen Cooley, que passou o dia socorrendo vítimas no Royal Free Hospital, onde trabalha. "Eu esperava algo bem pior. Mas, como as pessoas estavam preparadas, tudo correu do melhor modo possível." A enfermeira, que mora há quatro anos e meio em Londres, nunca havia passado por situação de emergência como a de ontem. "Estavam todos muito assustados, mesmo quem não se feriu."

O show que Daniela Mercury faria ontem à noite no City Barbican de Londres foi cancelado por causa dos ataques, mas a cantora afirmou que falará dos atentados e pedirá paz em sua apresentação de hoje na Holanda - e, apesar da angústia e tristeza que sentiu, voltará à capital britânica no fim do mês. "Quero cumprir todos os meus compromissos, encontrar meus fãs", ressaltou.

Hospedada no centro de Londres, bem perto do local de um dos atentados, a Russell Square, Daniela contou que algumas vítimas foram socorridas em seu hotel. Ela passou o dia acompanhando o vaivém de policiais. Os filhos de Daniela estavam presos no aeroporto com o produtor executivo da turnê, Geraldinho Magalhães, e a banda. "Passei o maior sufoco."

As brasileiras Dominique Feitosa, de 31 anos, e Hosana Schindt, de 32, que vivem em Londres há um ano e pretendiam assistir ao show de Daniela Mercury, disseram ter ficado abaladas. Dominique, gerente financeira, contou que chegou ao trabalho por volta das 9h10, e só então soube das explosões. Mesmo liberada do trabalho, ela ficou no escritório por segurança e só voltou para casa à tarde, após caminhar por uma hora. "Fiquei abalada, mas não mudei meus planos de permanência em Londres", disse Dominique.

"Acho que no Brasil e risco de vida é até maior. A violência está em qualquer esquina."