Título: Blindagem reafirmada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2005, Notas & Informações, p. A3

Quando mais se agrava a crise política, mais nítidos são os sinais de que a economia brasileira não está sendo afetada por ela. Nos últimos dias, sucederam-se indicações objetivas dos bons resultados da política econômica e, sobretudo, da serenidade com que reagem às turbulências políticas tanto as empresas como as famílias.

Em junho, o mercado acionário recebeu investimentos externos líquidos de R$ 354 milhões, montante pequeno em termos absolutos, mas simbólico da disposição dos estrangeiros de comprar ativos de risco numa hora de efervescência política. Se fosse temida uma valorização do dólar frente ao real, certamente não haveria disposição de compra de ações cotadas em reais.

No plano macroeconômico, as projeções de inflação apuradas semanalmente pelo BC indicaram, pela primeira vez no ano, que o índice oficial de preços, o IPCA, poderá se situar abaixo dos 6%, ou seja, que o arrocho monetário posto em prática pelo Copom em setembro de 2004 deu os resultados visados, arrefecendo o ritmo de elevação dos preços e abrindo espaço para a queda da taxa Selic, como já evidencia a projeção para os juros futuros. Analistas como Tomas Málaga, do Itaú, e Alexandre Lintz, do BNP Paribas, estimam o IPCA deste ano em 5,5% e 5,4%, respectivamente. O IGP-DI calculado pela FGV registrou queda de 0,45%, em junho.

Ainda mais significativo é o comportamento de mercados de bens de alto valor e a atitude das empresas quanto ao futuro. Por exemplo, mais de 10,2% nas vendas de veículos leves, entre os primeiros semestres de 2004 e de 2005, surpreenderam o presidente da GM do Brasil, Ray Young.

É inegável que o ritmo de crescimento da economia vem sendo mais lento que o do ano passado, mas essa tendência ¿ que começa a se alterar, como já mostram os dados do IBGE relativos à produção industrial de maio ¿ precedeu à crise política e se deve mais ao aumento do juro real, que torna difícil remunerar os investimentos. Ainda assim, a maioria das empresas mantém a disposição de investir, como anunciaram, nos últimos dias, tanto companhias dependentes de exportações, como a Weg, de Santa Catarina, como empresas centradas no mercado interno, como o Grupo Votorantim.

Mais do que esses anúncios, o que confirma as expectativas positivas empresariais são os últimos números do BNDES divulgados no fim de semana. Para isso contribuem as facilidades encontradas pelas companhias para tomar recursos de longo prazo, tanto no mercado interno, mediante o lançamento de debêntures, como no mercado externo.

Políticas ainda mais maduras são adotadas por companhias que seguem o exemplo externo no tocante à imobilização. A Siemens, a Basf, a Perdigão, a Vivo e a Unilever estão pondo à venda suas sedes próprias, dispondo-se a alugá-las dos compradores que preferem receber uma renda mensal determinada e se dispõem a aplicar a longo prazo. Estas empresas seguem uma política de desmobilização já adotada, no ano passado, por grandes bancos, como Bradesco, Itaú, Santander Banespa e HSBC. Em todos os casos, as empresas acreditam na obtenção de lucros maiores com o capital de que disporão do que com a valorização dos imóveis onde se localizam suas matrizes ou filiais.

¿A economia dissociou-se da política¿?, indagou o ex-diretor do BC Ilan Goldfajn, em artigo publicado terça-feira no Estado .

Seria oportuno fazer um contraponto para notar o amadurecimento do País. Imagine-se, como exercício, uma crise como a que ora alcança o PT, em épocas passadas. A economia balançou no final do período Collor com o escândalo PC Farias, até que um embrião da blindagem atual começou com a ascensão de Marcílio Marques Moreira à Fazenda. Mas a estabilidade só se consolidou com Fernando Henrique Cardoso como ministro de Itamar Franco, e, ainda assim, enfrentou novo teste em 2002. Antes de o PT, Lula e o ministro Palocci se comprometerem com a austeridade, a taxa do dólar se aproximou dos R$ 4,00, contra R$ 2,37, dia 8 de julho. Hoje, parece mínimo o risco de que a instabilidade registrada há três anos volte a se instalar.