Título: O vereador de Mococa
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2005, Nacional, p. A6

Vocação para a grosseria cívica leva parlamentares da CPI a fazer o mau combate Olhar de soslaio, a senadora Ideli Salvatti interrogava Fernanda Karina Somaggio na CPI, manuseando vasta papelada sobre a mesa: "A senhora nasceu em Mococa, saiu de lá há quanto tempo?"

"Há seis ou sete anos", informa a depoente.

"Hum... conhece Bruno Somaggio?"

"Não, talvez seja parente de meu marido."

"Estranho, porque ele tem seu sobrenome e foi eleito vereador em Mococa, em 1996, pelo PTB", conclui a senadora com ar de desconfiança extrema.

Minutos depois, ao responder à perplexidade do senador Pedro Simon ante a inusitada suspeita, a vice-líder do PT no Senado explicita sua linha de investigação: "A pergunta é relevante porque estamos apurando denúncias de corrupção envolvendo o PTB e me parece importante a coincidência de um vereador do partido ter o mesmo sobrenome da depoente."

O caso do vereador petebista foi apenas um - simbólico, por extremo - exemplo de uma série de desajeitadas investidas que compõem a estratégia do PT de desqualificar detentores de informações desfavoráveis ao governo.

Não são os petistas os únicos a agredir testemunhas, investigados e informantes nem é a CPI dos Correios a primeira a produzir episódios dessa natureza.

Oposicionistas desprovidos da sobriedade necessária à tarefa de que estão incumbidos os integrantes da comissão também fazem da grosseria cívica uma serventia da casa. O enervado deputado do PFL gaúcho Onyx Lorenzoni, chamando Marcos Valério Fernandes de Souza de "lavanderia ambulante", seria apenas chulo não fosse também patético.

O problema com o PT e a falta de educação estratégica é sua ausência de utilidade prática. Então fica o partido do governo na canhestra condição de executor de um plano tolo que, no lugar de desqualificar o alvo da pretensa desqualificação, desmoraliza o desmoralizador.

Focalizemos de novo a cena protagonizada pela senadora Ideli Salvatti: ela não tomou conhecimento das novas pistas - doleiros com nome e endereço, por exemplo - fornecidas pela ex-secretária de Marcos Valério, mas considerou da maior importância o fato de o edil Somaggio e o deputado Roberto Jefferson pertencerem ao mesmo partido.

Ficou parecendo para quem assistia que a senadora estava propositadamente se desviando do assunto em questão. E vamos que conseguisse desvendar a conexão Mococa-Esplanada dos Ministérios, qual a utilidade disso para a estratégia de defesa do PT frente aos indícios de que o tesoureiro do partido abriu as portas do Estado para um lobista traficar influência?

E o que dizer do deputado Jorge Bittar, cuja aludida cordialidade pautou sua inércia frente à estupidez jeffersoniana - "vem, estou te esperando Bittar" -, mas não foi suficiente para poupar-lhe o vexame de acusar a informante Fernanda Somaggio de vender a "honra" em troca do salário de R$ 2 mil para pagar as contas do mês?

Se não chegou a exibir insensibilidade social, também não era o caso, mostrou desespero de causa.

À medida que vai ficando patente a culpa de Marcos Valério, mais temerosa demonstra-se a defesa dele feita pela bancada do PT numa reunião administrativa da CPI onde a bancada revolveu as vísceras em público para tentar impedir sua convocação.

Depois do depoimento do publicitário, pleno de mentiras evidentes e silêncios eloqüentes, a atitude dos petistas os fez sócios de um depoente desmentido pelo decorrer das investigações.

Se há uma coisa de que o PT nem o governo precisam agora é de rezar no altar do mau combate. Essa fase, acreditava-se superada; rendeu prejuízos reconhecidos. As tentativas de impedir a CPI consumiram tempo e capital moral.

Seria de se supor que partido e governo já tivessem entendido que a hora é de recuperar terreno. Assumir, senão a dianteira, vista a vastidão do atraso, ao menos uma posição mais adequada a quem tenta convencer o respeitável público (pagante) de sua lisura de propósitos.

Mas como nem tudo nunca está perdido, ainda é tempo de mudar. Com a vantagem, para a representação petista na CPI, de poder revisar seu comportamento no bojo de uma reformulação conjunta de condutas que se impõe a toda a comissão onde - ressalvadas as exceções de meia dúzia, entre as quais o presidente e o relator - impera a politicagem, o infantilismo, o personalismo e, como se viu na última sessão, a histeria.

Sem correção de rumo, os culpados sairão impunes de mais essa, o Parlamento provará incapacidade de parlamentar e o instrumento das comissões parlamentares de inquérito integrará o rol dos espécimes em vias de extinção.

Dois pesos

Ao dar posse aos novos ministros do PMDB, o presidente Luiz Inácio da Silva distribuiu igualitariamente referências eleitorais aos políticos que saíam, Eunício Oliveira e Humberto Costa, ambos candidatos em 2006 em seus Estados.

Em termos partidários, porém, deixou patente que uns são mais iguais que outros. Costa, do PT, mereceu detalhada citação a projetos executados no Ministério da Saúde. Eunício, do PMDB, recebeu um genérico agradecimento pelo desempenho na pasta das Comunicações e nada mais.