Título: Com medo, passageiros do ônibus 30 retomam a rotina
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2005, Internacional, p. A18

Todos os dias, os passageiros do ônibus que faz a rota entre os bairros de Mayfair e Hackney podem apreciar, da janela, alguns dos principais marcos de Londres, entre os quais o Marble Arch, o lendário Hyde Park, a agitada rua de compras de Oxford Street e o museu Madame Tussaud's, na Baker Street. Ontem, porém, as cenas que passavam pela cabeça dos poucos passageiros eram as da tragédia que, um dia antes, matara 13 pessoas com a explosão de uma bomba, às 9h47, num ônibus da mesma linha, a de número 30. A linha 30 faz parte da rotina diária do arquiteto Sam Suppiah. Num dia comum, ele estaria entre outros cerca de 140 passageiros que lotavam o ônibus na hora do rush. Ontem, estava sozinho e escolheu sentar-se nos fundos do andar de cima, onde se acredita ter sido acionada a bomba. "Não sei por que escolhi sentar aqui. Acho que precisava ter a perspectiva da tragédia. Ainda não acredito que aquilo aconteceu."

Suppiah acha que estava no ônibus exatamente anterior àquele que explodiu na Tavistock Square. Ele trabalha na reforma do hotel Ambassador, que fica a 100 metros do local da explosão e, todos os dias pela manhã, pega o mesmo ônibus de número 30 para chegar ao local. Suppiah conta ter ouvido o momento em que a bomba foi detonada. O hotel foi esvaziado pela polícia minutos depois e, em seguida, chegaram pessoas feridas, atendidas no local.

"Não sabíamos o que estava acontecendo. Fiquei muito assustado com a movimentação da polícia e aquelas pessoas machucadas", conta o arquiteto, que é da Malásia e está em Londres há apenas 4 meses. "Quando eu soube que um ônibus da linha 30 tinha sido explodido, a primeiro coisa que me ocorreu foi de que eu estava num ônibus da mesma linha, naquela mesma manhã. Fiquei chocado. Eu só pensava em voltar para casa, para a minha família."

Suppiah diz estar assustado e confessa só ter subido no ônibus porque estava vazio e sem nenhum "suspeito", descrito por ele como "alguém com traços árabes". "Sei que isso não está correto, pois a maioria árabe ou mesmo muçulmana não teria coragem de praticar um atentado como este, mas estou sendo sincero com relação aos meus medos agora", conta Suppiah, que é hindu, sinalizando aquilo que a comunidade islâmica mais temia acontecer após os atentados terem sido ligados à rede Al-Qaeda. A Comissão Islâmica de Direitos Humanos chegou a pedir aos muçulmanos em Londres que não saíssem às ruas a menos que fosse estritamente necessário.

A mesma linha 30 faz parte da rota entre a casa da publicitária Kitty Anderson e a de seu namorado. Ela costuma sentar-se na parte de cima do ônibus todos os dias para ver a paisagem. Ontem, viajava no mesmo lugar. "Confesso que hesitei ao subir no ônibus. As imagens não saem da minha cabeça. Mas acho que será melhor para todos se a cidade voltar ao normal", diz. "Os ingleses são um povo pragmático. Não ficamos paralisados pelo pânico. Em uma situação de emergência, prestamos socorro, ligamos para o 999 (número de emergência)." Para Kitty, as coisas têm de voltar ao normal o mais rápido possível para que todos possam seguir com as suas vidas.